Direitos e Deveres
Obrigação propter rem. Relativização do direito de propriedade. Dano irreparável ou de difícil reparação em matéria ambiental.
TJSP. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO. CÂMARA RESERVADA AO MEIO AMBIENTE
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0025662-49.2012.8.26.0000 - PINDAMONHANGABA - VOTO Nº 20.780
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0025662-49.2012.8.26.0000 PINDAMONHANGABA
Agravante: MINISTÉRIO PÚBLICO
Agravado: FIBRIA CELULOSE S/A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. TUTELA ANTECIPADA PARA DETERMINAR AOS RÉUS A APRESENTAÇÃO DE PROJETO INDICANDO A ÁREA DE RESERVA LEGAL E O CRONOGRAMA DE RECOMPOSIÇÃO DA VEGETAÇÃO FLORESTAL, BEM COMO PARA POSTERIOR DEMARCAÇÃO DA ÁREA. CABIMENTO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM DOS AGRAVADOS, A TEOR DO QUE DISPÕEM O ARTIGO 186 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O ARTIGO 16 DA LEI Nº 4.771/65. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO, EIS QUE JUNTADA A MATRÍCULA DO IMÓVEL SEM QUE NELA CONSTASSE A AVERBAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO CARACTERIZADO. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO EXIGEM DO ESTADO-JUIZ ESPECIAL CAUTELA EM TEMAS AMBIENTAIS. O AGRAVO DEVE SER PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA DETERMINAR QUE O PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DO PROJETO DE CRIAÇÃO DA RESERVA LEGAL AO ÓRGÃO AMBIENTAL COMPETENTE SEJA FIXADO EM 180 DIAS.
Vistos etc.
Agrava de instrumento o MINISTÉRIO PÚBLICO da decisão interlocutória do Juiz CARLOS EDUARDO XAVIER BRITO1, que, nos autos da Ação Civil Pública que move contra FIBRIA CELULOSE S/A, indeferiu o pedido de tutela antecipada.
Aduz, em suas razões, que a averbação da reserva florestal legal é garantia da impossibilidade de uso alternativo e de produção não manejada da área ambientalmente protegida. Sustenta ser verossimilhante a alegação lançada na inicial, que, ademais, está em consonância com o art. 225 da CF/88 e a normatividade infraconstitucional de regência. Alega incidir sobre o feito a responsabilidade ambiental objetiva. Requer a concessão da tutela antecipada e culmina por pugnar pelo provimento do agravo, para ver reformada a decisão.
O parecer da Ilustrada Procuradoria Geral de Justiça é no sentido do provimento dos recursos.
É uma síntese do necessário.
O recurso comporta parcial provimento.
A partir de 5 de outubro de 1988, o meio ambiente foi erigido a categoria constitucional na ordem jurídica brasileira. Preceitua o artigo 225 da Carta da República:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Enorme transformação de ótica vem a impregnar toda a ciência jurídica diante dessa opção constituinte. O legislador fundante, pela vez primeira, contempla de maneira explícita um direito intergeracional. Ao Poder Público e à coletividade comete um dever primordial de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado não apenas para os viventes, mas também para as gerações do porvir. Toda a posteridade depende do zelo que hoje se devotar à natureza.
Tão grande a relevância do bem tutelado, a ponto de o constituinte preconizar que a função social da propriedade rural só é cumprida se atender, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, a preservação do meio ambiente.
Ora, o artigo 16 da Lei nº 4.771/65 é expresso ao determinar a manutenção das florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, numa área correspondente a, no mínimo, vinte por cento da propriedade rural, impondo ao proprietário a obrigação de averbar a área de reserva legal à margem da matrícula.
Desde que o MINISTÉRIO PÚBLICO comprovasse a inexistência da averbação da reserva legal na matrícula do imóvel nº 12.327 descrito na inicial, a concessão parcial da liminar era de rigor, pois o descumprimento da obrigação faz presumir a carência da vegetação nativa, inverte o ônus da prova, e permite o deferimento da tutela antecipada.
Hoje, o direito de propriedade é relativizado.
Não é direito absoluto, a todos oponível. Sobre a propriedade recai uma hipoteca social em favor não apenas dos seres humanos já nascidos, mas até dos nascituros. Basta a leitura atenta dos dispositivos fundantes a que todos estão subordinados.
Não há qualquer exagero na antecipação da tutela. Ressalte-se: a obrigação propugnada é propter rem e não dependeria de qualquer atuação estatal para seu cumprimento.
É flagrante, outrossim, o receio de lesão irreparável ou de difícil reparação, pois os agravados não demonstraram qualquer intenção em dar concretude à normativa constitucional e legal. Toda a posteridade depende do zelo que hoje se devotar à natureza. O direito ambiental estrutura-se no princípio da prevenção e da precaução, pois inestimável o bem tutelado. Prevenir é sempre melhor do que tentar desfazer os nefastos efeitos da lesão ambiental. A natureza é frágil e merece uma tutela efetiva. A precaução impõe a todos a imprescindibilidade de obviar riscos. Os riscos de danos mais graves existem e exigem a cautela especialíssima do Estado-Juiz.
Prevalece o interesse público na proteção e recuperação da vegetação do imóvel, tal como pleiteado pelo parquet, até o final julgamento da lide.
O planeta emite contínuos sinais de exaustão.
Uma sociedade hedonista, materialista, consumista e egoísta, não atenta para a seriedade do tema. O constituinte trouxe não apenas um comando rigoroso em relação à proteção da natureza, mas material de permanente reflexão para todos os ainda dotados de alguma consciência, sensibilidade e lucidez. Se não houver consistente reversão de rumos, não haverá possibilidade de vida na Terra. E isso dentro de poucos anos. Sem catastrofismo ou fundamentalismo ecológico.
Até os mais céticos são obrigados a reconhecer as mudanças climáticas, os sintomas do efeito estufa, o derretimento das calotas polares, a intensificação dos ciclones, dos tufões, dos furacões, a seca de um lado, a inundação de outro.
Até a livre iniciativa está hoje subordinada à observância da norma de proteção ao meio ambiente.
Ninguém está excluído disso.
Não há irreversibilidade da decisão. O perigo, na verdade, é de irreversibilidade dos danos ambientais produzidos, e de prejuízo para as gerações presentes e futuras, que fazem jus, conforme a clara dicção do Legislador Constituinte, a um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.
A averbação da reserva legal prevista no artigo 16, da Lei nº 4.771/65, guarda consonância com o direito de todos “ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Dá concretude à regra insculpida no artigo 225, caput, da Constituição Federal. É inadmissível argumentar com a revogação iminente do Código Florestal, diante do direito posto, vigente, e em pleno vigor.
A reserva florestal legal é o mínimo de cobertura vegetal obrigatoriamente mantida pelo proprietário e regenerada se a propriedade já não a detiver. O objetivo da reserva legal é impedir que a cupidez, a insensatez, a ignorância humana acabem com a vegetação nativa e substituam o solo por monocultura, por criação de gado ou por parcelamento de solo. Com evidente queda da qualidade de vida, empobrecimento da biodiversidade, alteração nociva do clima e outras nefastas consequências.
Por fim, o recurso não merece ser provido tão somente quanto ao pedido ministerial de que o prazo para apresentação do projeto de criação da reserva legal deveria ser de 60 dias. Tal prazo afigura-se exíguo, razão pela qual fica o agravo parcialmente provido nesse tópico, para fixar o prazo de entrega do projeto em 180 (cento e oitenta) dias.
A jurisprudência desta Câmara Reservada ao Meio Ambiente tem firmado o entendimento de que é suficiente e adequado o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para a entrega de projeto indicando a área de reserva florestal para posterior demarcação da área de reserva legal, no prazo de 60 (sessenta) dias contados da aprovação do projeto pelo órgão ambiental.
Por estes fundamentos, confere-se parcial provimento ao agravo de instrumento.
RENATO NALINI
Relator
Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
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