Autor(es): Marcio Garcia |
Valor Econômico - 31/07/2009 |
Em recente entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", o ministro do Planejamento, PauloBernardo, declarou: "O Lulinha, aonde vai, dizem que ele está certo. E o cara fica dizendo que está errado o fiscal. Quem vai olhar isso?". O que o ministro falou é em parte verdade. No exterior, não há quase ninguém preocupado com a deterioração recente da política fiscal brasileira. Dada a enorme expansão fiscal nos países desenvolvidos, bem como a notória ciclotimia dos mercados financeiros, isto não seria de se espantar. Mas ministro do Planejamento fazer pouco caso da deterioração fiscal recente é como ministro da Saúde descartar os riscos da gripe suína tendo em vista o pequeno número de vítimas fatais observado até agora no Brasil. Beira a irresponsabilidade. O ministro do Planejamento já teve dias melhores, como, por exemplo, em 2005, quando defendia o plano de equilíbrio fiscal de longo prazo concebido pelo Ipea dos bons tempos. Tal plano, torpedeado como rudimentar pela ministra Dilma, foi enterrado. Os jornais trazem a cada dia notícias de mais e mais despesas que se adicionam ao orçamento federal, poucas relativas ao investimento público. A defesa oficial é ora alegar que conduz política anticíclica, ora que havia necessidade de pagar melhor a seus servidores por melhores serviços. Ambas as alegações não procedem. Política anticíclica faz-se principalmente com metas fiscais automaticamente ajustadas para o ciclo econômico, como por exemplo pratica o Chile há muitos anos. Em períodos de expansão, a meta para o superávit fiscal torna-se mais rígida, pois aumenta a arrecadação do governo e caem suas despesas. Em períodos recessivos, como o atual, a meta é afrouxada, para dar conta da menor arrecadação tributária, bem como dos maiores gastos, como o seguro-desemprego. Essa prática, consagrada mundialmente, era outrora defendida por Guido Mantega, mas estranhamente nunca foi levada à frente quando ele foi alçado a ministro da Fazenda. A expansão fiscal que o governo fez para combater a crise baseou-se em dois pilares: desoneração fiscal temporária e aumento de gastos permanentes. A desoneração fiscal deverá ser revertida, a menos que o governo ceda em caráter definitivo às pressões dos lobbies dos setores beneficiados. Já aumentar gastos permanentes não constitui política anticíclica, pois tais despesas não poderão ser cortadas quando vier a expansão. Hoje, tais gastos ajudam o país a sair da recessão. Quando a crise terminar, constituirão pesado fardo a diminuir o investimento, tanto privado quanto público, e a atrasar o crescimento econômico. A melhora da provisão de serviços públicos, se ocorreu, não foi ainda notada pela população. Em que pese algumas iniciativas pontuais, os vultosos gastos adicionais com algumas carreiras de Estado não parecem estar redundando em maior eficiência do serviço público. Parece elevado o risco de que o efeito de tais gastos adicionais seja tão-somente o de atender às lideranças sindicais, em vez de trazer o aprimoramento tão necessário aos precários serviços públicos de que dispomos. Analisando a política econômica em geral, o ministro do Planejamento se vangloriou: "A oposição não tem discurso. Eles não conseguem fazer um debate sobre política econômica melhor do que o nosso. Eles não têm políticas sociais alternativas melhores do que as nossas. Eles não têm política agrícola melhor". Neste aspecto, a análise política do ministro parece, infelizmente, correta. Apesar de o governo Lula ter abandonado as reformas que iniciou no primeiro mandato, a menos de menções esporádicas à reforma tributária e à desoneração da folha salarial das empresas, não há, no debate político atual, discussões sobre como melhor utilizar o enorme potencial que tem o país para crescer. A política econômica do atual governo, calcada muito acertadamente na política econômica de seu antecessor, precisa ser complementada com a retomada das reformas econômicas. A mera continuação da atual política econômica é como seguir pela metade um tratamento médico: os resultados ficam muito aquém do desejado. Sem atacar os males, já há muito identificados e mapeados, ceifaremos preciosos pontos percentuais de nosso crescimento futuro. É função da oposição ter coragem e sabedoria para defender reformas econômicas das quais o país precisa para realizar integralmente seu potencial de crescimento. Conquanto a defesa das reformas pareça, hoje, eleitoralmente onerosa, é preciso descobrir maneiras de transformá-la em agenda ganhadora, como foi feito com o combate à inflação. Na eleição passada, o candidato que disputou o segundo turno não teve tal ousadia e acabou derrotado. Sua imagem, envergando jaqueta e boné repletos de símbolos de empresas estatais, ficou como símbolo de uma oposição sem programa econômico bem definido e envergonhada das privatizações que havia feito e que mudaram para melhor a economia do país. Para o bem do país, seria bom não repetir o erro. Infelizmente, como bem notou o ministro do Planejamento, a oposição não parece ter aprimorado o discurso econômico. O principal nome da oposição para a eleição presidencial, o governador de São Paulo, malgrado reputação bem estabelecida de administrador competente, não critica a política fiscal, embora não perca oportunidade para atacar a política monetária. Suas repetidas críticas equivocadas à bem sucedida condução do sistema de metas para inflação pelo Banco Central explicam as incertezas que existem acerca do que seria a condução das políticas monetária e cambial em um eventual governo Serra. Ou seja, a oposição, em vez de defender a reativação do programa de reformas econômicas que iniciou e que foram encampadas no início do atual governo, parece renegar sua própria criatura, jogando-a no colo de Lula. Não parece de todo impossível que as novas gerações acabem acreditando que o Plano Real foi obra de Lula! Em que pese a pobreza do debate econômico atual, a economia brasileira continuará a apresentar bons resultados, dependendo do desempenho da economia mundial, sobretudo da China. Com dispêndio fiscal hipertrofiado, deveremos continuar a ter investimento e crescimento mais baixos e juros reais mais altos do que seria possível com as reformas econômicas. É triste ver tão mal aproveitada a magnífica chance que o Brasil ora dispõe para cumprir seu desígnio de "país do futuro". O pior é perceber que parece ainda não haver alternativa no horizonte. Márcio G. P. Garcia, Ph.D. por Stanford, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, escreve neste espaço uma sexta-feira a cada mês. |