USO ABUSIVO DA PROPRIEDADE. GRANDE NÚMERO DE ANIMAIS. SENTENÇA E ACÓRDÃO
Direitos e Deveres

USO ABUSIVO DA PROPRIEDADE. GRANDE NÚMERO DE ANIMAIS. SENTENÇA E ACÓRDÃO


SENTENÇA
Vistos,
A.P.M.R.C. ajuizou a presente ação de obrigação de fazer c.c. indenização por danos morais e materias contra M.S. e alegou, em síntese, que se casou em 08 de outubro de 2.011, desde quando reside na XXXX, nesta Comarca. Ocorre que a ré possui cerca de 25 cães, que produzem barulho atormentador o dia todo, além do que profere a ré xingamento contra os cães, situação que se tornou insuportável. Formulou denuncia junto a Secretaria Municipal da Saúde, tendo sido lavrado auto de infração nº 1237, tendo em vista a infração ao artigo 17 da Lei Municipal 2489/2005, que limita a dez cães por residência. Em 18 de fevereiro de 2.012, fora lavrado novo auto, advertindo a ré sobre a impossibilidade da...
aquisição de novos cães. A partir disso, além de não fazer cessar a perturbação, a exacerbou com suas gritarias. Há necessidade de aumento do muro divisório, para preservação de sua integridade física. Com tais fundamentos, a título de “antecipação da tutela”, pediu fosse a ré condenada a implantar medidas tendentes a diminuição do barulho, bem como para que reduzisse o número de cães ao limite legal, sob pena de multa. Ao final, pediu fosse a ré condenada a retirar todos os cães ou que adequasse ao número legal; a proceder a obras necessárias para que a água suja de seus cães não escoe na frente de sua residência; para condenar ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$1.000,00 e, por danos materiais, no valor de R$150,00, em razão da perfuração de sua parede.
Foi expedido mandado de constatação, a fim de que o Sr. Oficial de Justiça certificasse acerca da finalidade do imóvel, se residencial ou comercial, e sobre o número de cães na residência da requerida. Cumprimento a fls. 47.
A requerida foi citada (fls. 65) e as partes compareceram em audiência de tentativa de conciliação, que restou infrutífera. Em seguida, foi deferida a liminar, a fim de que a requerida remanescesse, no máximo, com dois cães (fls. 66).
A ré apresentou defesa em forma de contestação (fls. 73/84).
Pediu revogação da liminar deferida ou que se observe o limite legal, a fim de evitar dano a sua psique. Alegou que sempre viveu em harmonia com seus cães, em numero de 23, que são dóceis, vacinados, sendo alguns doentes. Os cães latem certamente, mas não de forma incessante. Alguns ficam dentro de casa e outros no canil. Acredita que a demanda é mera implicância da autora, que faz alegações absurdas no sentido de que possa ser atacada. Não há provas de que os cães provoquem barulho excessivo. Contesta o dano moral.
Houve interposição de agravo de instrumento (fls. 135/148) contra decisão que deferiu tutela de urgência, o qual não foi conhecido (fls. 256/258).
Houve juntada de nova contestação a fls. 151/162, a qual foi desconsiderada (fls. 278) em razão da ocorrência de preclusão consumativa.
Réplica a fls. 216/225.
Não houve composição em audiência (fls. 269).
O feito foi saneado às fls. 276/279 e houve designação de audiência de instrução, debates e julgamento.
Em audiência (fls. 297), presente a autora e ausente a requerida, foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela autora (fls. 298/300).
Foram apresentadas alegações finais pela requerida (fls. 303/307) e pela autora (fls. 310/316).
É o relatório.
Fundamento e decido.
Os pedidos contidos na inicial procedem, em parte.
Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização por danos materiais e morais em que autora alega ser vizinha da da requerida, proprietária de inúmeros cães, que provocam mau cheiro e barulho excessivo, os quais reputa insuportável.
De início, então, se a lide versa sobre direito de vizinhança, cumpre deixar anotado que o art. 1.277 do Código Civil dispõe que “o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha”.
Fixou-se, pois, a regra geral de que os vizinhos devem manter respeito mútuo, observando normas sociais de convívio.
Desta feita, tem-se que o mau uso da propriedade dá-se pela prática de atos ilegais, abusivos ou excessivos. Sobre tais atos excessivos, lecionam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:
“Com efeito, o mau uso da propriedade é aferido objetivamente, sem que se perscrute o erro, a falha do causador do dano. Nesta senda, enfatiza Orlando Gomes que 'o conceito de uso nocivo de propriedade determina-se relativamente, mas não se condiciona à intenção do ato praticado pelo proprietário. O propósito de prejudicar, ou incomodar, pode não existir e haver maus uso da propriedade.' (...) Enfim, os atos excessivos são aqueles praticados com a finalidade legítima, porém ainda assim gerando danos anormais e injustos, passíveis de indenização em sede de responsabilidade objetiva. A parêmia 'é vedado exercer nossos direitos com sacrifício dos direitos alheios' é suficiente para explicar a atenção e os cuidados que o morador deverá desempenhar no exercício de sua atividade para não causar danos a vizinhos, mesmo que não realize com abuso do direito.” (Curso de Direito Civil. Reais. Salvador. BA: Editora Juspodivm, 2013, p. 644 e 645) Posta esta premissa legal e conceitual doutrinária, a controvérsia dos autos, naturalmente, está em saber se os animais da requerida provocam latidos e, em caso, positivo, se exorbitam o que o homem médio considera tolerável.
Como não se desconhece, à autora incumbe provar os fatos que constituem o seu direito e, à requerida, os fatos que modificam ou extinguem aquele.
Bem analisados os autos, vê-se que somente a autora desincumbiu-se de seu ônus, posto que juntou e produziu provas mais do que suficientes acerca da ocorrência dos fatos narrados na inicial.
De fato, já com a inicial, juntou autora elucidativa mídia contendo gravações captadas no meio ambiente em que vive (fls. 22), com a qual comprovou que o barulho produzido pelos cães tem o condão de perturbar o sossego da vizinhança, em diferentes dias e horários, inclusive pela madrugada, perturbação essa que ocorre de forma contínua.
A corroborar o quanto conta da mídia, a testemunha A., ouvida em juízo (fls. 299), disse que “conheço a autora e o pai dela. Sei onde ela mora. Já morei próximo, por cerca de dois anos e meio, porque fui caseiro numa residência ali próximo, praticamente vizinho de ambas. Mudei-me acerca de quatro meses. Conheço a D. M.S. Quando eu me mudei para lá a D. M. já tinha cães, uma quantidade boa, não sei precisar em números. Haviam cães e gatos. Faziam muito barulho. A M. inclusive subiu várias vezes onde eu trabalhava para dizer que os cachorros dela latiam por conta dos meus, que era em número de dois. Quando os carros passam pela rua, eles também latem. A D. M. da uns gritos com os cachorros dela. Acredito que a autora tenha um cão da raça poodle. Quando eu sai de lá, os cães ainda estavam lá. Cheguei a prestar alguns serviços de jardim para M. Enterrei alguns cães no quintal da casa dela, nos fundos, porque quando morriam de câncer ela não mandava enterrar em outro lugar.
Sem reperguntas do advogado da autora. Às reperguntas da advogada da requerida, respondeu: A maioria dos cães da D. M.são idosos. Na casa dela tem diversos canis. Tinha dia que os canis estava limpinho, mas em outros exalava cheiro. Havia cães nos canis, alguns fora e outros no interior da residência. Haviam dois pittbulls que ficavam fora e outros pequenos.
Inicialmente, o muro tinha degraus, de forma que os cachorros subiam na laje e colocavam a cabeça do lado da casa da vizinha, ora autora, quando latiam. 
Hoje, subiram uma ou duas fileiras de blocos”
Nesse mesmo sentido, ainda que tenha presenciado o fato circunstancialmente, a testemunha M. (fls. 300) declarou que “conheço a autora. (...) Eu fui na casa dela, por ocasião de uma festa de aniversário. Isso foi em janeiro de 2.012. Não conheço M.S. Observei que na casa da M. tinha muitos cachorros. No dia da festa, M. lançou pedras na casa da A.P. O ruim era o cheiro das fezes. Cheguei a ver alguns cães, porque às vezes eles pulam no muro. Não sei dizer se o evento era constante ou circunstancial, porque só fui lá uma vez. Sem reperguntas do advogado da autora. Às reperguntas da advogada da requerida, respondeu: Não vi a D. M. jogando as pedras. Ouvi o barulho e vimos as pedras no corredor. Não vi D. M. jogar as pedras, mas só pode ser ela, porque é ela quem mora lá”.
Para que não se alegue que a citada mídia é documento de quilate unilateral e que as testemunhas da autora são suspeitas, observo que, antes de analisar a tutela de urgência (deferida), foi determinado a constatação in loco por meio de oficial de justiça, cujo auto acostou-se a fls. 47. Segundo sua certificação, o imóvel da requerida é residencial e nele existem 23 cães, sendo 10 de pequeno porte e 13 de médio porte, alguns dos quais ficam soltos no quintal, outros ocupam o espaço interior da residência e os demais distribuídos em canis.
Ademais disso, em contestação, a requerida não negou a existência dos animais em sua residência, ao dizer que muitos deles sofrem de doenças, em razão da idade avançada que se encontram.
Diante deste quadro fático probatório, conclui-se sem esforço algum que a requerida extrapola os limites impostos pela normas de vizinhança quanto do uso de sua propriedade, pois obviamente que a quantidade de cães é absolutamente inapropriada para o espaço limitado de sua residência. Notoriamente, temos que, a uma, o latido é a forma de expressão dos cães e, a duas, que as regras de experiência indicam que, por maiores e melhores cuidados que o dono possa ter, inconvenientes ocorrem, como fuga dos animais, acúmulo de fezes e urina, barulhos e o próprio risco de investirem sobre outras pessoas agressivamente.
Então, como consequência destes fatos e considerando que a requerida pode ter em sua companhia animais domésticos, o que inclusive é indicado ao meio social atual, mas não pode ferir o direito ao sossego alheio, será ela compelida a reduzir o número de cachorros em sua residência, considerando-se como razoável a quantidade de dois animais desta espécie.
A propósito, julgados do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“Ação de obrigação de fazer. Direito de vizinhança. Agravo retido. Ausência de reiteração expressa em contrarrazões. Não conhecimento (CPC, art. 523, §1º). Uso anormal da propriedade. Barulho causado por latidos de cães. Cerceamento de defesa. Inocorrência. (...) Direito do proprietário de fazer cessar as interferências prejudiciais ao seu imóvel. Artigo 1.277 do Código Civil. Conjunto probatório que demonstra que os latidos são frequentes e que o nível do ruído deles proveniente ultrapassa o permitido pelas normas técnicas. Incômodo prejudicial ao sossego do autor e de seus familiares. Multa diária fixada em valor adequado segundo o princípio da proporcionalidade. Natureza coercitiva das astreintes. Litigância de má-fé não configurada. Agravo retido do autor não conhecido e apelação do réu improvida” (Apelação nº 0018028-29.2007.8.26.0565, Rel. Hamid Bdine, 33ª Câmara de Direito Privado, j. em 21/10/2013).
“DIREITO DE VIZINHANÇA - USO NOCIVO DA PROPRIEDADE - OBRIGAÇÃO DE FAZER - REMOÇÃO DE CÃES - RECURSO NÃO PROVIDO. Assiste aos vizinhos de imóvel inapropriado à manutenção de animais caninos o direito de pleitear a cessação das interferências pelo uso nocivo da propriedade, prejudiciais à segurança, sossego e saúde (Código Civil, artigo 1277)” (AC 1151931- 0/7  35ª Turma de Direito Privado - Des. CLOVIS CASTELO - J: 22/06/09)
Por sua vez, quanto ao alegado dano material, no importe de R$ 150,00, decorrente de duas pedras supostamente jogadas pela requerida na residência da autora, não há prova efetiva de que tais fatos teriam sido por esta praticados.
Nesse ponto, não se olvide que a testemunha acima declarou que “mão vi a D. M. jogando as pedras. Ouvi o barulho e vimos as pedras no corredor. Não vi D. M. jogar as pedras, mas só pode ser ela, porque é ela quem mora lá”, suposição que é de todo insuficiente para ser ter a necessária certeza quanto ao autor do ato.
Além disso, vale pontuar que não se demonstrou que de tal evento decorreu-lhe prejuízo material.
Assim, considerando que o pleito de indenização por danos materiais carece da comprovação dos seus três requisitos legais - ato ilícito do ofensor, nexo causal e prejuízo da parte , como dito, improcede o pleito nesta parte.
Por último, o dano moral, no caso vertente, procede. 
Como cediço, o dano moral é constitucional e legalmente previsto. Caracteriza-se por uma privação ou diminuição de valores precípuos na vida das pessoas, como a paz, tranquilidade de espírito, liberdade individual, integridade física, a honra, dentre outros. Dano moral ressarcível é o que se tem na dor anímica desde que assuma caráter razoável, numa equação entre a suscetibilidade individual da vítima (que não se admite excessiva para não se transformar a figura em motivo de satisfação pessoal e enriquecimento sem causa) e a potencialidade lesiva do ato do agressor (que deve ser capaz de causar incômodo relevante ao ofendido).
No caso, é indubitável que o barulho que a autora vem sendo obrigada a suportar, por meses, de um lado, provoca-lhe abalo em seu sossego e sua saúde, que são direitos da personalidade inerentes a qualquer ser humano e, de outro, não constitui um daqueles meros percalços que a vida em sociedade em massa impões sejam suportados por pessoa de média suscetibilidade, mas sim em dano indenizável, posto que refoge em muito ao mínimo razoável para relações da espécie.
No que diz respeito ao quantum, fica acatado o valor pedido na inicial, R$ 1.000,00 (um mil reais) - o qual vincula o Juízo pelo máximo -, posto que nem enriquecerá a autora e tampouco empobrecerá a ré. Este valor será corrigido, a partir da publicação da presente sentença, segundo a tabela prática do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e com juros legais de 1%, desde a citação.
Posto isto, e considerando tudo o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos inicias, a fim de confirmar a liminar deferida initio litis e condenar a requerida a pagar à autora indenização, a título de dano moral, no importe de R$ 1.000,00 (mil reais), corrigido, a partir da publicação da presente sentença, segundo a tabela prática do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e com juros legais de 1%, desde a citação.
Por ter decaído de pequena parte do pedido e tendo-se em vista, sobretudo, o princípio da causalidade, condeno a requerida ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios da parte contrária, que fixo em R$ 2.000,00, nos termos do §4º do art. 20 do Código de Processo Civil, anotando-se que a opção por este parágrafo decorre do fato de haver pedido obrigacional e condenatório.
P.R.I.
Mairiporã, 13 de novembro de 2014.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
COMARCA DE MAIRIPORÃ
Processo Físico nº: 0005619-47.2012.8.26.0338

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0005619-47.2012.8.26.0338, da Comarca de Mairiporã, em que é apelante M.S.B. (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA), é apelado A.P.M.R.C.N
ACORDAM, em 26ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FELIPE FERREIRA (Presidente) e ANTONIO NASCIMENTO.
São Paulo, 23 de junho de 2016.
Vianna Cotrim
RELATOR

EMENTA: 1. Direito de vizinhança – Grande número de cães em residência – Abuso configurado - Incômodo tanto em razão do mau cheiro como em decorrênda do barulho - Imposição de medidas limitatórias. 2. Danos morais comprovados Fixação adequada. 3. Honorários advocatícios Fxação razoável em função do trabalho realizado e em consonância com o art. 20, par. 4o, do CPC. Recurso improvido.

VOTO N° 35.120
A r. sentença de fls. 317/327, declarada a fls. 332, cujo relatório é ora adotado, julgou parcialmente procedente a ação cominatória c.c. indenizatória decorrente de direito de vizinhança, daí o apelo da ré, a fls. 334/340, buscando a reforma e sustentando, em síntese, que não restaram comprovados o barulho acima do permitido e nem a necessidade de retirada dos animais; alegou que não foi produzida prova pericial e, ainda, que impossível se afigura a escolha de apenas dois animais em razão da relação afetiva, bem como por inexistir na região local adequado para a respectiva remoção; afirmou que a própria lei permite a presença de até dez animais; impugna a condenação por danos morais e o montante fixado a título de honorários; busca a improcedência da ação ou a sucumbência recíproca.
Recebido e processado o recurso, subiram os autos com contrarrazões a fls. 343/352.
É o relatório.
O inconformismo não merece prosperar.
Trata-se de ação cominatória c.c. indenizatória decorrente de direito de vizinhança.
Afirma a autora que a ré, sua vizinha, faz uso indevido de sua propriedade, causando-lhe sérios transtornos, por manter vinte e três cães em seu quintal. Aponta, essencialmente, que o mau cheiro e o ruído intenso afetam seu sossego.
Em sua defesa, a ré afirmou que a presença dos animais em sua casa não causa transtornos à autora, pois cuida de mantê-los em perfeitas condições de higiene e, além disso, eles não são barulhentos. Sustenta, enfim, que não lhe pode ser obstado tal direito, principalmente por se tratar de animais idosos e doentes, que não sobreviveriam sem os cuidados oferecidos pela ré.
Todavia, como bem salientou a r. sentença apelada:
De início, então, se a lide versa sobre direito de vizinhança, cumpre deixar anotado que o art. 1.277 do Código Civil dispõe que “o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha”.
Fixou-se, pois, a regra geral de que os vizinhos devem manter respeito mútuo, observando normas sociais de convívio.
Desta feita, tem-se que o mau uso da propriedade dá-se pela prática de atos ilegais, abusivos ou excessivos. Sobre tais atos excessivos, lecionam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:
“Com efeito, o mau uso da propriedade é aferido objetivamente, sem que se perscrute o erro, a falha do causador do dano. Nesta senda, enfatiza Orlando Gomes que 'o conceito de uso nocivo de propriedade determina-se relativamente, mas não se condiciona à intenção do ato praticado pelo proprietário. O propósito de prejudicar, ou incomodar, pode não existir e haver maus uso da propriedade.' (...) Enfim, os atos excessivos são aqueles praticados com a finalidade legítima, porém ainda assim gerando danos anormais e injustos, passíveis de indenização em sede de responsabilidade objetiva. A parêmia 'é vedado exercer nossos direitos com sacrifício dos direitos alheios' é suficiente para explicar a atenção e os cuidados que o morador deverá desempenhar no exercício de sua atividade para não causar Posta esta premissa legal e conceitual doutrinária, a controvérsia dos autos, naturalmente, está em saber se os animais da requerida provocam latidos e, em caso, positivo, se exorbitam o que o homem médio considera tolerável.
Como não se desconhece, à autora incumbe provar os fatos que constituem o seu direito e, à requerida, os fatos que modificam ou extinguem aquele.
Bem analisados os autos, vê-se que somente a autora desincumbiu-se de seu ônus, posto que juntou e produziu provas mais do que suficientes acerca da ocorrência dos fatos narrados na inicial.
De fato, já com a inicial, juntou autora elucidativa mídia contendo gravações captadas no meio ambiente em que vive (fls. 22), com a qual comprovou que o barulho produzido pelos cães tem o condão de perturbar o sossego da vizinhança, em diferentes dias e horários, inclusive pela madrugada, perturbação essa que ocorre de forma contínua.
A corroborar o quanto conta da mídia, a testemunha A., ouvida em juízo (fls. 299), disse que “conheço a autora e o pai dela. Sei onde ela mora. Já morei próximo, por cerca de dois anos e meio, porque fui caseiro numa residência ali próximo, praticamente vizinho de ambas. Mudei-me acerca de quatro meses. Conheço a D. M.S.. Quando eu me mudei para lá a D. M. já tinha cães, uma quantidade boa, não sei precisar em números. Haviam cães e gatos. Faziam muito barulho. A M. inclusive subiu várias vezes onde eu trabalhava para dizer que os cachorros dela latiam por conta dos meus, que era em número de dois. Quando os carros passam pela rua, eles também latem. A D. M. da uns gritos com os cachorros dela.
Acredito que a autora tenha um cão da raça poodle. Quando eu sai de lá, os cães ainda estavam lá. Cheguei a prestar alguns serviços de jardim para M. Enterrei alguns cães no quintal da casa dela, nos fundos, porque quando morriam de câncer ela não mandava enterrar em outro lugar. Sem reperguntas do advogado da autora. Às reperguntas da advogada da requerida, respondeu: A maioria dos cães da D. M. são idosos. Na casa dela tem diversos canis. Tinha dia que os canis estava limpinho, mas em outros exalava cheiro. Havia cães nos canis, alguns fora e outros no interior da residência. Haviam dois pittbulls que ficavam fora e outros pequenos. Inicialmente, o muro tinha degraus, de forma que os cachorros subiam na laje e colocavam a cabeça do lado da casa da vizinha, ora autora, quando latiam. Hoje, subiram uma ou duas fileiras de blocos”
Nesse mesmo sentido, ainda que tenha presenciado o fato circunstancialmente, a testemunha M. (fls. 300) declarou que “conheço a autora. (...) Eu fui na casa dela, por ocasião de uma festa de aniversário. Isso foi em janeiro de 2.012.
Não conheço M.S. Observei que na casa da M. tinha muitos cachorros. No dia da festa, M.lançou pedras na casa da A.P.  O ruim era o cheiro das fezes. Cheguei a ver alguns cães, porque às vezes eles pulam no muro. Não sei dizer se o evento era constante ou circunstancial, porque só fui lá uma vez. Sem reperguntas do advogado da autora. Às reperguntas da advogada da requerida, respondeu: Não vi a D. M. jogando as pedras. Ouvi o barulho e vimos as pedras no corredor. Não vi D. M. jogar as pedras, mas só pode ser ela, porque é ela quem mora lá”.
Para que não se alegue que a citada mídia é documento de quilate unilateral e que as testemunhas da autora são suspeitas, observo que, antes de analisar a tutela de urgência (deferida), foi determinado a constatação in loco por meio de oficial de justiça, cujo auto acostou-se a fls. 47. Segundo sua certificação, o imóvel da requerida é residencial e nele existem 23 cães, sendo 10 de pequeno porte e 13 de médio porte, alguns dos quais ficam soltos no quintal, outros ocupam o espaço interior da residência e os demais distribuídos em canis.
Ademais disso, em contestação, a requerida não negou a existência dos animais em sua residência, ao dizer que muitos deles sofrem de doenças, em razão da idade avançada que se encontram.
Diante deste quadro fático probatório, conclui-se sem esforço algum que a requerida extrapola os limites impostos pela normas de vizinhança quanto do uso de sua propriedade, pois obviamente que a quantidade de cães é absolutamente inapropriada para o espaço limitado de sua residência.
Notoriamente, temos que, a uma, o latido é a forma de expressão dos cães e, a duas, que as regras de experiência indicam que, por maiores e melhores cuidados que o dono possa ter, inconvenientes ocorrem, como fuga dos animais, acúmulo de fezes e urina, barulhos e o próprio risco de investirem sobre outras pessoas agressivamente.
Então, como consequência destes fatos e considerando que a requerida pode ter em sua companhia animais domésticos, o que inclusive é indicado ao meio social atual, mas não pode ferir o direito ao sossego alheio, será ela compelida a reduzir o número de cachorros em sua residência, considerando-se como razoável a quantidade de dois animais desta espécie.
Com efeito, a ré tem o direito de manter animais em sua residência e a autora tem o dever de respeitar essa vontade, sujeitando-se aos inconvenientes normais, desde que isso não importe na violação de determinados limites.
E o fato de a ré manter vinte e três cães confinados em seu quintal caracteriza, sem dúvida alguma, a situação de exagero apontada pela doutrina, a justificar a afirmação de abuso de direito.
Em hipótese similar, já teve oportunidade de destacar esta Corte que:
O direito garante a posse de animais de estimação em residência. Ocorre, porém, que o exercício desse
direito deve se dar em espaços apropriados, adequando-se o interessado às peculiaridades do ambiente onde os animais são acolhidos, de tal sorte que não provoque desconforto e falta de sossego à vizinhança. (Apelação n. 0104498-97.2007.8.26.0004 Rel. Rosa Maria Andrade Nery 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 13.02.2012))
Assim, não é necessário muito esforço para concluir que realmente a autora ficou sujeita a sérios transtornos provocados pela presença desse grande número de animais na casa vizinha.
E por maior que seja a dedicação da ré, difícil acreditar que conseguiria manter permanentemente limpo o seu quintal, com tantos animais desse porte ali presentes.
Inverossímil também, o argumento de que os animais são silenciosos. É fato corriqueiro e qualquer pessoa que tenha um mínimo de experiência com o trato de cães sabe que não há como evitar o barulho, principalmente como já dito, pelo número elevado de animais. Portanto, se é inegável o direito de a demandada manter animais em sua residência, também é certo que esse direito sujeita-se a um controle tal que imponha o menor prejuízo possível à tranquilidade e conforto da vizinhança.
E na busca do critério de razoabilidade, impõe-se reconhecer que a solução adotada pelo Juízo, acolhendo o pedido de limitação do número de cães a apenas dois, estabelece o necessário equilíbrio entre as partes.
Os danos morais restaram configurados, principalmente porque os incômodos perduram por longo tempo.
Observo que em 2012 a ré foi advertida de que estava contrariando a Lei Municipal por manter mais de dez cães em sua residência e, em sede de defesa, comprometeu-se não só a não adquirir novos animais, mas participar de feiras de adoções para adequar o número de animais, não causando prejuízos aos moradores da região (fls. 21).
Entretanto, quedou-se inerte, deixando de tomar qualquer providência para minorar os danos causados à vizinha.
E não é porque a lei municipal autoriza o limite de dez cães este deveria ser admitido pela sentença, pois simples redução a este patamar não reduziria os transtornos evidentemente causados à vizinhança.
O valor fixado modicamente em R$1.000,00 (hum mil reais) afigura-se adequado para reparar a autora pelos danos sofridos, sem representar enriquecimento sem causa.
A sucumbência foi corretamente atribuída a Ré que decaiu na maior parte dos pedidos.
Finalmente, a respeito do arbitramento dos honorários advocatícios, há de se convir que a fixação em R$ 2.000,00 é razoável e remunera condignamente o trabalho profissional realizado, encontrando consonância nos termos do artigo 20, par. 4o, do CPC/1973.
Em suma, a r. sentença deu correto desate à lide, não comportando reparos.
Pelo exposto, por esses fundamentos, nego provimento ao recurso.
VIANNA COTRIM
RELATOR
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
APELAÇÃO
Nº 0005619-47.2012.8.26.0338
SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO 26ª CÂMARA
Apelação Nº 0005619-47.2012.8.26.0338 12

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Um abraço!
Thanks for the comment. Feel free to comment, ask questions or criticize. A great day and a great week! 
Maria da Gloria Perez Delgado Sanches



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Direitos e Deveres








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