Direitos e Deveres
A natureza propter rem das despesas condominiais. Legitimidade passiva. Alienação fiduciária. Mora ex re. Denunciação da lide no procedimento sumário.
TJSP. Apelação nº 0047518-94.2010.8.26.0564 - São Bernardo do Campo - VOTO Nº 2/7Apelante: Rodobens Administradora de Consórcios LtdaApelada: Condomínio Mares do NorteComarca: São Bernardo do Campo - 5ª. Vara CívelRelator Ruy CoppolaVoto nº 22.512EMENTA
Cobrança. Despesas condominiais. Ação ajuizada contra o adquirente do imóvel, em alienação fiduciária. Admissibilidade. Dívida de natureza propter rem, cuja responsabilidade recai também sobre o titular da propriedade, ainda que resolúvel. Mora “ex re”. Valores não impugnados. Denunciação da lide inadmissível, por expressa vedação do artigo 280 do Código de Processo Civil. Ação julgada procedente. Sentença mantida. Recurso improvido.
Vistos.
Trata-se de ação de cobrança ajuizada pelo Condomínio Mares do Norte contra Rodobens Administração e Promoções Ltda, que a respeitável sentença de fls. 92/94, cujo relatório se adota, julgou procedente para condenar a ré ao pagamento da quantia de R$1.945,97, referente às despesas condominiais em atraso, a qual deverá ser acrescida de correção monetária e juros de 1% ao mês, computados desde 25/10/2010, sem prejuízo daquelas vencidas durante o processo, na forma do artigo 290 do Código de Processo Civil, devidamente corrigidas a partir de cada vencimento, acrescidas de multa de 2% e juros de 1% ao mês, até a satisfação da obrigação. A ré foi condenada também no pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da condenação.
Apela a requerida (fls. 96/107) sustentando, em síntese, que não é parte legítima para figurar no polo passivo da ação, posto que ostenta apenas a qualidade de credora fiduciária. Argumenta que o único responsável pelo pagamento é o devedor fiduciante, ao qual deve ser denunciada a lide, ainda que para efeito de eventual exercício do direito de regresso.
Aduz que não foi notificada acerca do inadimplemento do fiduciante, o que descaracteriza eventual mora. Alega também que ficou impossibilitada de se defender quanto à alegação de inadimplemento, uma vez que somente o fiduciante possui eventuais comprovantes de pagamento da suposta dívida.
Afirma que o consorciado fiduciante continua residindo no imóvel, e assumiu contratualmente a obrigação de pagar as despesas aqui discutidas, sendo que tal responsabilidade é prevista pelo artigo 27, §8º, da Lei nº 9.514/97. Pede, ao final, a reforma da sentença.
O recurso foi preparado (fls. 108/110), recebido e respondido a fls. 114/120.
É o Relatório.
Da certidão imobiliária trazida aos autos pelo condomínio autor, verifica-se que o imóvel gerador das despesas condominiais é de propriedade de FVP, que o adquiriu em 25.04.2006, mesma data em que o alienou fiduciariamente à ré-apelante para garantia do crédito referente ao saldo remanescente do contrato de consórcio (cf. fls. 11/12).
A Lei nº 9.514/97, que instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel, definiu tal negócio jurídico como sendo aquele “pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.
Com efeito, a alienação fiduciária em garantia transfere ao credor fiduciário a propriedade resolúvel e a posse indireta do imóvel e, assim sendo, vincula o seu titular às obrigações inerentes ao bem.
Como já anotado pelo Desembargador Kioitsi Chicuta, em julgamento anterior:
“É bem verdade que, a princípio, ter-se-ia a convicção de que a ação deve se dirigir a quem, de fato, usufrui dos benefícios e dos ônus da vida em condomínio da Lei 4.591, de 1.964, mas consoante destaca J. Nascimento Franco, 'para garantir o equilíbrio econômico e financeiro do condomínio, a lei considera dívida propter rem a cota-parte atribuível a cada apartamento nas despesas ordinárias e extraordinárias' (cf. 'Condomínio', pág. 220). A relação jurídica é peculiar e aproxima-se tanto do direito real como do direito pessoal, tanto assim que na precisa e citada conceituação de Silvio Rodrigues, 'a obrigação propter rem é aquela em que o devedor, por ser titular de um direito sobre uma coisa, fica sujeito a uma determinada prestação que, por conseguinte, não derivou da manifestação expressa ou tácita de sua vontade. O que o faz devedor é a circunstância de ser titular do direito real, e tanto isso é verdade, que ele se libera da obrigação se renunciar a esse direito' (cf. 'Direito Civil', vol. 2, pág. 105). A obrigação de pagar proporcionalmente as despesas de condomínio não decorre da vontade das partes, mas da circunstância de serem titulares de direitos sobre as unidades autônomas.
Daí porque o credor fiduciário também ostenta condição jurídica de condômino e nesse aspecto, este C. Tribunal, no julgamento da apelação 663.554, relator o Des. Gilberto dos Santos, destacou que o 'vocábulo
'condômino' no máximo pode abranger o usufrutuário, o nu-proprietário, o fiduciário, o compromissário comprador, o promitente cessionário de direito à compra, ou qualquer outro titular de direito à aquisição das unidades autônomas do edifício'.
Pouco importa que o art. 27, § 8º, da Lei 9.514/97, disponha que o fiduciante responde pelas contribuições condominiais, cuidando-se, na verdade, de dispositivo para regular as relações entre fiduciante e fiduciário.
Dois são os direitos reais e nada impede que o imóvel gerador das despesas seja ofertado à venda judicial, onde patente fica o interesse de ambos os réus” (Apelação sem Revisão nº 1.133.573-0/9).
Assim também já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 827.085/SP, que também foi interposto pela ora apelante:
“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL - CONDOMÍNIO - TAXAS CONDOMINIAIS - LEGITIMIDADE PASSIVA - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - ADQUIRENTE - RECURSO NÃO CONHECIDO. 1 - Na linha da orientação adotada por esta Corte, o adquirente, em alienação fiduciária, responde pelos encargos condominiais incidentes sobre o imóvel, ainda que anteriores à aquisição, tendo em vista a natureza propter rem das cotas condominiais. 2 - Recurso não conhecido” (Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma, in DJ 22/05/2006, p. 219).
Remanesce, pois, a responsabilidade da recorrida pelos débitos em atraso, sendo que o inadimplemento noticiado pelo condomínio não foi impugnado pela devedora, não lhe socorrendo a alegação de que eventuais comprovantes de pagamento estariam em poder do fiduciante.
Em relação a mora, no caso, é ex re. Não se exige prévia constituição em mora do devedor da obrigação de pagar despesas condominiais, uma vez que a mora opera-se com a simples impontualidade, nos termos do artigo 12, § 3°, da Lei 4591/64:
"CONDOMÍNIO - DESPESAS CONDOMINIAIS - COBRANÇA - NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL - MORA CARACTERIZADA - DESNECESSIDADE - ARTIGOS 960 DO CÓDIGO CIVIL E 12 DA LEI Nº 4591/64 - Não é necessária nenhuma notificação, interpelação ou protesto para constituição em mora dos condôminos, isto porque o cumprimento da obrigação é exigível automaticamente no vencimento, constituindo a mora 'ex re' quando não efetuado o pagamento no tempo lugar e forma convencionados." (Ap. s/ Rev. 754.571-00/2 - 7ª Câm. - Rel. Juiz WILLIAN CAMPOS - J. 23.9.2003).
Também não há que se falar em denunciação da lide que, no procedimento sumário, está limitada à hipótese prevista no artigo 280 do Código de Processo Civil (“intervenção fundada em contrato de seguro”).
Correta, pois, a procedência da ação para condenar a ré, adquirente do imóvel em alienação fiduciária, ao pagamento das taxas condominiais pendentes, ressalvando-lhe o direito de regresso contra o fiduciante, que deverá ser demandado em ação própria.
Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.
RUY COPPOLA
RELATOR
Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
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