A primeira tentativa de regulamentar o teto
Direitos e Deveres

A primeira tentativa de regulamentar o teto



Autor(es): Ribamar Oliveira
Valor Econômico - 17/02/2011


No Brasil, o subsídio mensal de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) é o teto da remuneração dos servidores públicos e ninguém ganha mais do que isso, certo? Errado. Muita gente está hoje ganhando acima do teto nos três níveis de governo (União, Estados e municípios). Embora previsto no inciso XI do artigo 37 da Constituição, o limite remuneratório não existe na prática. As autoridades sabem disso, o contribuinte paga a conta no fim de cada mês e todos parecem não querer enfrentar a situação. A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) resolveu colocar a mão nesse vespeiro.
No início deste mês, Gleisi apresentou um projeto de lei regulamentando, no âmbito da União, o limite remuneratório dos servidores do Judiciário, do Legislativo, do Executivo e do Ministério Público. O projeto de lei número 3, de 2011, que está disponível na página da senadora no sítio do Senado, define, de forma clara, quais são as parcelas da remuneração que devem ser incluídas no teto e os procedimentos que os órgãos públicos devem adotar para tornar o limite remuneratório efetivo.
A senadora paranaense foi secretária de Gestão da prefeitura de Londrina e pôde constatar, por experiência própria, as dificuldades da administração pública. A falta de um sistema que recompense o mérito do funcionário e o instituto da estabilidade tornam os planos de carreiras incapazes de estimular a eficiência do serviço público. "Na administração pública, quem produz ou não, ganha o mesmo", constata. "A forma de gestão da administração pública precisa mudar", disse, em conversa com este colunista.
    Muita gente ganha, hoje, acima do limite remuneratório
Gleisi reconhece que a fixação de um limite remuneratório é a confissão da absoluta incapacidade do Poder Público de promover uma política eficiente de gestão de pessoas. Apesar disso, a senadora acha que a implantação do teto é importante para a moralidade pública, com a correção de uma série de injustiças, e para a contenção das despesas com pessoal.
A senadora está consciente de que o seu projeto enfrentará grande resistência no Senado, pois o número de senadores que recebe aposentadoria como ex-governador é expressivo. A aposentadoria desses ex-governadores é pelo teto e, agora, eles também receberão remuneração pelo teto no exercício do mandato de senador. Receberão, portanto, dois tetos. O projeto de Gleisi propõe acabar com essa situação, ao incluir no limite a remuneração decorrente do exercício do mandato.
A senadora pelo Paraná considera que os políticos brasileiros precisam, a exemplo dos demais cidadãos, aprender a contribuir para a previdência complementar e, dessa forma, garantir uma remuneração adicional por ocasião da aposentadoria. Gleisi não aceita o argumento, usado com frequência por alguns políticos, de que se esse dispositivo for aprovado, os senadores que ganham aposentadorias especiais passarão a trabalhar de graça. "Eles ganharão o teto da remuneração do serviço público", rebate.
Outra situação, muito frequente no Legislativo, é o exercício de cargo em comissão ou função de confiança por funcionário de carreira. O valor recebido não é computado no limite remuneratório. Em português claro: o servidor, que muitas vezes já ganha o teto ou perto dele, passa a receber uma remuneração total acima do teto.
Muito comum também é a situação do servidor aposentado que passa a exercer cargo em comissão ou função de confiança, acumulando a aposentadoria com a nova remuneração. No Executivo, essa prática está sendo coibida, mas ela só pode ser identificada se o aposentado tiver sido funcionário do governo federal. A mesma proibição não foi adotada ainda no Legislativo e no Judiciário. Caso o projeto da senadora paranaense seja aprovado, esse arranjo não será mais possível.
Um dos dispositivos do projeto de Gleisi atinge o próprio marido da senadora, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. O projeto determina que a remuneração decorrente de participação em conselhos de administração ou fiscal de empresas públicas ou sociedades de economia mista seja incluída no teto remuneratório. "O Paulo me disse que o meu projeto vai diminuir o salário dele", revelou Gleisi, com bom humor.
Bernardo participa de conselhos de estatais. "O que ocorria até bem pouco tempo é que a remuneração de ministros de Estado era baixa e a participação em conselhos era usada para complementar os salários", explicou. Essa situação mudou agora, pois a remuneração de ministro foi corrigida e ficou próxima ao teto, que hoje é de R$ 26,7 mil.
O projeto da senadora do Paraná lista 21 verbas remuneratórias que serão incluídas no teto. Entre elas estão as verbas de representação, os adicionais e gratificações de qualquer natureza e denominação, os adicionais de tempo de serviço, inclusive anuênios, biênios, triênios, quinquênios, sexta parte, "cascatinha" e trintenário. Não serão considerados no cálculo do limite de remuneração os valores recebidos do Regime Geral de Previdência Social, mais conhecido como INSS, de entidades de previdência privada, fechada ou aberta, a título de horas extras, as diárias, o auxílio-alimentação, entre outros.
Gleisi acha que a primeira dificuldade que seu projeto enfrentará será na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. "Tentarão dizer que o projeto é inconstitucional, com o argumento de que a iniciativa dessa matéria seria do presidente da República", antecipa. Ela conversou com consultores do Senado que lhe garantiram ser inerente à Casa tomar a iniciativa de legislar desde que em âmbito geral.
Gleisi recebeu a informação de que o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o vice-presidente da República, Michel Temer, são favoráveis à regulamentação do teto de remuneração.
Ribamar Oliveira é repórter especial em Brasília e escreve às quintas-feiras





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