As horas extras na Justiça
Direitos e Deveres

As horas extras na Justiça


O Estado de S. Paulo - 05/10/2009
Para assegurar à magistratura de todo o País as condições necessárias para atingir a chamada "meta 2" ? que estipula que devem ser julgados até o final do ano todos os processos ajuizados até 2005 ?, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) baixou resolução obrigando os serventuários de todos os Tribunais a cumprir jornada de trabalho de 8 horas. Enquanto na maioria dos órgãos do Executivo a jornada de trabalho há muito tempo é de oito horas, em vários setores do Judiciário, principalmente nas Justiças estaduais, ela é de seis horas. Em quase toda a Justiça Federal os serventuários já trabalham oito horas por dia. Na Justiça estadual, uma das exceções é o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que adota esse regime há cerca de 30 anos.

Além de ser uma das causas do congestionamento das Justiças estaduais, a jornada mais curta se converteu num imenso buraco negro nas finanças dos Tribunais. Isto porque, para manter os fóruns abertos, receber petições e documentos de advogados, atender a população e assessorar os magistrados, os serventuários estendem suas jornadas, trabalhando as 8 horas, mas ganhando duas horas extras por dia.

O abuso é tão grande que o CNJ descobriu, em algumas Justiças estaduais, serventuários que recebem, a título de hora extra, mais do que o valor do próprio salário. E esses são, justamente, os Tribunais em que mais de 90% do orçamento se destina à folha de pagamento, pouco sobrando para investir na informatização do serviço jurisdicional e no atendimento ao público. O CNJ também descobriu, em vários Tribunais de Justiça, servidores que trabalham no período da manhã e outros que trabalham à tarde, todos com a carga horária de seis horas, para executar a mesma função.

"Não faz sentido pagar uma fortuna de horas extras e desvirtuar o orçamento do Judiciário", diz Ives Gandra Martins Filho, do TST e membro do CNJ. Segundo ele, a resolução foi baixada para evitar que o aumento da produtividade dos juízes propiciada pela "política de metas" do órgão sirva de pretexto para aumento de gastos com pessoal. "Às vezes, vemos que, para receber horas extras, os servidores não fazem o trabalho no horário normal. No momento em que se cobra maior rapidez do Judiciário, não se justifica servidor com jornada que é o paraíso. E querem mais horas extras para fazer o trabalho que deveria ser feito no horário normal", conclui.

Pela resolução, a partir de agora os Tribunais só poderão pagar hora extra após a 9ª hora de trabalho, e assim mesmo com justificativa circunstanciada da necessidade da permanência dos serventuários nos fóruns. A 7ª e a 8ª horas passam a ser remuneradas pelo valor da hora normal de trabalho. Como em muitos Estados, principalmente no Norte e no Nordeste, a jornada de seis horas diárias foi instituída por lei estadual, o CNJ determinou aos presidentes dos Tribunais de Justiça que enviem às Assembleias Legislativas, o mais rápido possível, projeto de lei aumentando a carga horária dos servidores judiciais. O órgão ainda não tem um levantamento completo de quantos Tribunais serão enquadrados pelas novas regras, uma vez que vários deles se recusaram a enviar as informações solicitadas, alegando serem autônomos.

Os serventuários já começaram a se mobilizar para deflagrar uma greve por tempo indeterminado contra o CNJ. Para o coordenador da corporação em Minas Gerais, Robert França, a carga horária de seis horas evita problemas de falta de concentração. Para a coordenadora dos serventuários na Bahia, Jaciara Cedraz, o atual regime é "conquista da categoria". Para o secretário-geral da Federação Nacional dos Servidores do Judiciário, Israel Borges, a resolução do CNJ "vai na contramão da campanha nacional pela redução da jornada de trabalho sem prejuízo salarial". Para os líderes da categoria, "quem trabalha menos horas tem melhor saúde e mais condições para investir em sua qualificação profissional".

São argumentos absurdos, para não dizer cínicos. Para a sociedade que paga os privilégios dessa classe que a atende tão mal, a medida moralizadora do CNJ não poderia ter vindo em melhor hora.



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