Autor(es): Simone Mateos, para o Valor, de São PauloValor Econômico - 22/04/2010
Com a renda per capita mais alta do país, o Distrito Federal (DF) é visto muitas vezes como a "Ilha da Fantasia", atraindo constantemente migrantes de outras regiões com a expectativa de ascensão social. Para além das médias estatísticas, entretanto, a capital brasileira é também campeã em desigualdade social.
A administração pública é o principal motor da economia de Brasília, sendo responsável por quase 54% do Produto Interno Bruto (PIB) do Distrito Federal, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Embora o cálculo compute tanto a folha de pagamento como o consumo de bens e serviços - incluindo saúde e educação -, o peso dos rendimentos dos servidores é preponderante e crescente. Em 2001, o funcionalismo público representava 33% da massa salarial e 16% do total de empregados do DF. Em 2007, respondia por 40% dos rendimentos e 17% dos trabalhadores. São cerca de 178 mil funcionários públicos que impulsionam a maior parte das atividades que mantém os 2,5 milhões de habitantes do DF.
Dois fatores explicam a distância entre a remuneração pública e a privada. De um lado, a capital concentra a cúpula mais bem paga dos servidores públicos brasileiros. De outro, uma economia ancorada no funcionalismo público gera empregos na área de prestação de serviços pessoais, que têm níveis de remuneração mais baixos que a média do setor industrial ou de serviços às empresas. A capital é a cidade com maior número de empregados domésticos ou salões de beleza per capita.
O resultado é que a média salarial dos funcionários públicos civis em Brasília é quatro vezes e meia superior à do setor privado: R$ 4.542,00 contra R$ 1.348,00. Enquanto os trabalhadores do setor público do DF ganham bem mais que os de outras grandes capitais, no setor privado a remuneração média fica abaixo da praticada nas principais capitais.
"O crescimento de Brasília gerou uma lógica de Casa Grande e Senzala, com o surgimento de uma área semelhante à baixada fluminense no entorno do DF" diz o economista Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), do IBGE, confirmam a análise: enquanto no plano piloto e seu entorno imediato, os salários médios de cerca de 500 habitantes ficam em torno de R$ 4,5 mil, nas áreas mais distantes do DF a média cai para R$ 1,1 mil, chegando a menos de dois terços disso nos dez municípios goianos do entorno.
A explicação para o aumento do peso do funcionalismo na economia da capital estaria na reversão, na última década, da lógica neoliberal dos anos 90, que reduziu ou terceirizou boa parte das funções do estado. "Depois de anos praticamente sem contratações e sem aumentos, o atual governo realizou vários concursos e recompôs salários, reduzindo a terceirização", afirma Pochmann. Segundo ele, a elaboração de boa parte das ações dos ministérios do Meio Ambiente e da Saúde dependia de convênios com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), porque não havia pessoal próprio. "O Ministério das Minas e Energia não tinha engenheiros porque não havia projetos de investimento, mas com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a situação mudou."
A expansão dos rendimentos no setor público, entretanto, não impulsionou o crescimento proporcional dos salários no setor privado. Ao contrário, a distância entre a remuneração média nas duas áreas cresceu, passando de 2,5 vezes, em 2001, para 4,5 vezes em 2007. Apesar disso, a pobreza se reduziu no entorno do DF.
"Isso se deveu também às políticas nacionais de redistribuição de renda, que reduziram a migração das regiões, e ao grande número de obras públicas que aqueceram a construção civil no DF, gerando emprego e renda", diz o economista Júlio Miragaya, membro do Conselho Federal de Economia do Instituto Brasiliense de Estudos da Economia Regional. "Foram desde obras de infraestrutura do PAC até construção de condomínios e urbanização feitas pelo governo do DF".
Como a expansão da construção civil e o aumento da renda do setor público são políticas conjunturais limitadas, as previsões dos economistas são que Brasília em breve volte a ter problemas na geração de empregos suficientes para atender à demanda crescente de seu entorno. Afinal, a migração reduziu seu ritmo, mas não acabou e a taxa de desemprego de Brasília, embora tenha caído nos últimos anos, continua entre as mais altas do país. Prevista para chegar a 1 milhão de habitantes, Brasília chega aos 50 anos com 2,5 milhões de pessoas. As pressões sociais que podem surgir da disparidade crescente da cidade fizeram-se sentir nos conflitos de rua que há poucos anos mobilizaram a Força Nacional para conter distúrbios na região metropolitana do DF.