Neoconstitucionalismo
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Neoconstitucionalismo


A doutrina passa a desenvolver, a partir do início do século XXI, uma nova perspectiva em relação ao constitucionalismo, denominada neoconstitucionalismo, ou, segundo alguns, constitucionalismo pós-moderno, ou, ainda, pós-positivismo.
Busca-se, dentro dessa nova realidade, não mais atrelar o constitucionalismo à ideia de limitação do poder político, mas, acima de tudo, buscar a eficácia da Constituição, deixando o texto de ter um caráter meramente retórico e passando a ser mais efetivo, especialmente diante da expectativa de concretização dos direitos fundamentais.
Nas palavras de Walber de Moura Agra, “o neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como ferramenta para a implantação de um Estado Democrático Social de Direito”.
Hierarquia entre as normas e limitação do poder são características do constitucionalismo moderno, enquanto que na atualidade, passamos a observar, como pontos centrais, a hierarquia entre as normas deixando de ser formal, mas axiológica e a concretização dos direitos fundamentais.
Veremos agora dois dos principais aspectos do neoconstitucionalismo e suas consequências:
Estado constitucional de direito: supera-se a ideia de Estado Legislativo de Direito, passando a Constituição a ser o centro do sistema, marcada por uma intensa carga valorativa. A lei e, de modo geral, os Poderes  Públicos, então, devem não só observar a forma prescrita na Constituição, mas, acima de tudo, estar em consonância com o seu espírito, o seu caráter axiológico e os seus valores destacados. A Constituição, assim, adquire, de vez, o caráter de norma jurídica, dotada de imperatividade, superioridade (dentro do sistema) e centralidade, vale dizer, tudo deve ser interpretado a partir da Constituição.
Conteúdo axiológico da constituição: para Barcellos, do ponto de vista material, destaca-se o seguinte elemento dentro da ideia de constitucionalismo: “(i) a incorporação explícita de valores e opções políticas nos textos constitucionais, sobretudo no que diz respeito à promoção da dignidade humana e dos direitos fundamentais”.
 Em interessante trabalho, Luís Roberto Barroso aponta três marcos fundamentais que definem a trajetória do direito constitucional para o atual estágio de “novo”: o histórico, o filosófico e o teórico.
Assim, conclui que “o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito”.
Assim, podemos esquematizar:
Histórico: evidenciam-se aqui as constituições do pós-guerra, na Europa, destacando-se a da Alemanha de 1949 (Lei Fundamental de Bonn) e o Tribunal Constitucional Federal (1951); a da Itália de 1947 e a instalação da Corte Constitucional (1956); a de Portugal (1976) e a da Espanha (1978), todas enfocando a ideia de redemocratização e Estado Democrático de Direito. No Brasil, o destaque recai sobre a brasileira de 1988, em importante processo democrático.
Filosófico: o pós-positivismo aparece como o marco filosófico do neoconstitucionalismo. A ideia de jusnaturalismo moderno se desenvolve a partir do século XVI, aproximando a lei da razão e se transformando, assim, na filosofia natural do Direito, e vai servir de sustentáculo, “fundado na crença em princípios de justiça universalmente válidos”, para as revoluções liberais, consagrando-se nas constituições escritas e nas codificações. “Considerado metafísico e anticientífico, o direito natural foi empurrado para a margem da história pela ascensão do positivismo jurídico, no final do século XIX. Em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o Direito à lei, afastou0o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da Segunda Guerra, a ética e os valores começam a retornar ao Direito”.
Nesse contexto surge a ideia do pós-positivismo como marco filosófico do neoconstitucionalismo. “O pós-positivismo busca ir além da legalidade escrita, mas não despreza o direito posto. Procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção, incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a filosofia”.
Teórico: a) força normativa da Constituição; b) expansão da jurisdição constitucional; c) nova dogmática da interpretação constitucional.
Dentro da ideia de força normativa (Konrad Hesse), pode-se afirmar que a norma constitucional tem status de norma jurídica, sendo dotada de imperatividade, com as consequências de seu descumprimento (assim como acontece com as normas jurídicas), permitindo o seu cumprimento forçado.
Dentro do contexto de expansão da jurisdição constitucional, Barroso observa que, “antes de 1945, vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do Poder Legislativo, na linha da doutrina inglesa de soberania do Parlamento e da concepção francesa da lei como expressão da vontade geral. A partir do final da década de 40, todavia, a onda constitucional trouxe não apenas novas constituições, mas também um novo modelo, inspirado pela experiência americana: o da supremacia da Constituição. A fórmula envolvia a constitucionalização dos direitos fundamentais, que ficavam imunizados em relação ao processo político majoritário: sua proteção passava a caber ao Judiciário. Inúmeros países europeus vieram a adotar um modelo próprio de controle de constitucionalidade, associado à criação de tribunais constitucionais”.
Ao confrontar regras e princípios, Barroso conclui que no sentido de uma nova dogmática da interpretação constitucional, não mais restrita à denominada interpretação jurídica constitucional.
Assim, “... as especificidades das normas constitucionais (...) levaram a doutrina e a jurisprudência, já de muitos anos, a desenvolver ou sistematizar um elenco próprio de princípios aplicáveis à interpretação constitucional. Tais princípios de natureza instrumental, e não material, são pressupostos lógicos, metodológicos ou finalísticos da aplicação das normas constitucionais. São eles, na ordenação que se afigura mais adequada para as circunstâncias brasileiras: o da supremacia da Constituição, o da presunção de constitucionalidade das normas e dos atos do poder público, o da interpretação conforme a Constituição, o da unidade, o da razoabilidade e o da efetividade”.
Enfim, essas são as marcas do “novo direito constitucional” ou neoconstitucionalismo, que se evidencia ao propor a identificação de novas perspectivas, marcando, talvez, o início de um novo período do Direito Constitucional.



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