O setor público escancarou suas portas nos últimos anos. Com a enxurrada de concursos autorizada pelos três Poderes, profissionais recém-formados, gente que fez carreira na iniciativa privada e concurseiros de longa data ganharam espaço. Novatos e veteranos dividem a mesma sala, são vizinhos de bancada, aprendem uns com os outros. Com seus conflitos e vantagens, o choque de gerações é uma realidade dentro da fauna burocrática.
Na administração direta federal, incluindo autarquias e fundações, servidores com até 30 anos representam 11% da força de trabalho. Em 2000, esse grupo não passava de 6% do total. Já a faixa dos servidores do Executivo com idade entre 41 e 50 anos encolheu de 43% para 23% no mesmo período. Os especialistas em recursos humanos entendem a mistura como algo positivo para as organizações, desde que haja equilíbrio.
Atento ao fenômeno, o governo tem elaborado políticas-piloto para tentar tirar melhor proveito da diversidade que atualmente existe no funcionalismo. Marcelo Viana, secretário de Gestão doMinistério do Planejamento, explica que a preocupação tem sido a de montar redes de apoio aos profissionais que acabam de chegar - sejam eles jovens ou não. Segundo ele, é um equívoco pensar que o sistema sempre vai engolir aquele que não tem experiência com a máquina. Não dá para fazer uma avaliação homogênea. São muitas culturas coexistindo. Várias vezes, ao longo da minha carreira como servidor, tive a impressão de ter atravessado o túnel do tempo: há lugares mais avançados que outros dentro do funcionalismo, completa.
Em uma iniciativa inédita, a Secretaria de Gestão lançou recentemente um programa de tutoria. Voltado para a carreira de gestores governamentais, o sistema prevê que os mais antigos prestem assistência àqueles que assumiram seus cargos há pouco tempo. Viana justifica que o veterano funciona como uma espécie de orientador - dá dicas, faz avaliações e acompanha a evolução do colega durante o estágio probatório. A experiência vem sendo bem recebida. Tivemos muitos pedidos voluntários de pessoas que se dispuseram a recepcionar os novos gestores, afirma o secretário. Se der certo, o programa será estendido para outras áreas.
Novato aos 56 Com passagem por vários ministérios, Correios e Infraero, Inaldo de Vasconcelos Soares, 56 anos, acaba de dar início a uma nova fase da vida. Nomeado em maio para o cargo de especialista em orçamento e finanças no Ministério do Meio Ambiente, ele diz que recomeçar é desafiador e gratificante. O segredo é ser capacitado, estar preparado para desempenhar a função, resume.
Soares não sabe mais com quanto colegas diferentes já trabalhou. Jovens e profissionais de cabelos grisalhos sempre fizeram parte de sua trajetória. Para ele, os reflexos dessas diferenças podem ser facilmente percebidos na máquina. Há prós e contras. Os jovens têm potencial e são bem aproveitados dependendo da política de qualificação, mas estão sempre de olho no próximo concurso para ganhar mais. Os mais velhos têm a experiência, que conta muito, mas também têm vícios, reforça.
A saída, de acordo com o novato experiente, seria melhorar as ferramentas de gestão e proporcionar aos órgãos uma melhor troca de informações, incentivando o intercâmbio de iniciativas que deram certo na gestão de pessoas em um lugar e em outro. Inaldo Soares acredita que com os recursos disponíveis (humanos e financeiros) é possível melhorar a qualidade do setor público no Brasil.
Decano do serviço público Francisco da Silva Guimarães, o Chicão, lembra saudoso do tempo em que começou. Ex-funcionário do extinto Departamento de Correios e Telégrafos (DCT), em 1960, conta que foi aluno e professor de alguns dos mais dedicados profissionais. Com 68 anos de idade e meio século de administração pública, Chicão não quer se aposentar. Quero sair na \`expulsória\` (aposentadoria compulsória). Só quando fizer 70, brinca.
Agente administrativo no Ministério da Agricultura desde 1974, Chicão é um desses decanos dosservidores. Profissional experiente, cuida de processos na área de aposentadorias e pensões. É referência para os colegas. Trabalhar com gente é muito gratificante, completa. Apesar do desgaste do dia a dia, diz que procura no bom humor forças para atender bem a todos que o procuram ou pedem ajuda. A tarefa não é fácil, reconhece. A rotina na repartição é pesada, diz Chicão. Não fossem os amigos, a monotonia venceria.
Com tantos anos de estrada, Chicão é um observador privilegiado da renovação pela qual passa o funcionalismo. Segundo ele, o avanço da meninada é importante porque oxigena a máquina. Mas sai mais gente do que entra, analisa. Se isso acontece de fato, o senhor que um dia quis ser piloto e depois jogador de vôlei ou basquete não sabe com certeza. É o que vejo. É a minha experiência quem diz, adverte. |