Direitos e Deveres
O DIREITO AO SILÊNCIO NO BRASIL
A Constituição da República Federativa do Brasil prevê, em seu artigo 5º, inciso LXIII, que: "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado."
Originário da Inglaterra, o direito ao silêncio foi influenciado pela edição da Magna Carta de 1215, juntamente com as diversas reformas que tinham o objetivo de instaurar o sistema acusatório e acabar com a violência praticada por alguns agentes públicos.
O direito ao silêncio é expressão de extrema relevância ao direito contra a auto-incriminação. As frases em latim nemo tenetur prodere seipsum, quia nemo tenetur detegere turpitudiem suam; ou nemo tenetur se deteger, entre outras, bem revelam o significado desse direito, qual seja, o de que nenhuma pessoa está obrigada a produzir provas contra si mesmo ou praticar atos lesivos à sua defesa ou, ainda, a auto-incriminar-se, podendo, inclusive, faltar com a verdade ao negar fato ilícito que lhe é imputado.
No que se refere a esses direitos, há muitos elogios, vez que se trata de direito natural, inerente ao ser humano que não pode, sob hipótese alguma, ser maculado; mas há também críticas, no que tange à dificuldade de se punir os culpados, ou mesmo de se chegar à verdade dos fatos mais rapidamente.
O Supremo Tribunal Federal pacificou a sua postura, com fundamento constitucional, quanto ao direito subjetivo do cidadão em permanecer calado, inclusive caracterizando nulidade processual a falta de informação desse direito ao indiciado ou acusado, em conformidade com o artigo 186 do Código de Processo Penal (CPP), para que o silêncio não se converta em meio ativo de prova contra quem calou.
Esse direito do cidadão lhe abre a possibilidade de adotar duas posturas: ficar calado ou apresentar a sua versão fática, invertendo, para si, o ônus da prova.
Muitos doutrinadores apontam que, atualmente, o direito ao silêncio passou a ter múltiplos significados, além daquele genérico de não se auto-incriminar, quais sejam, os direitos de não participar da reprodução simulada, de não comparecer à audiência judicial, de se manter em silêncio, quando interrogado, de exibir documentos etc.
Porém, parte desses autores critica essa amplitude, sob o fundamento de que o direito da sociedade de obter a veracidade fática estaria sendo prejudicado.
Inclusive, quanto ao direito específico de não oferecer material genético em ação investigatória, o STJ já se pronunciou, de acordo com a súmula n.º 301, no sentido de que a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção relativa de paternidade.
Outra questão discutida é a de se há ou não desobediência por parte do indiciado que se recusar a se submeter ao exame dactiloscópico, caso estejam presentes as hipóteses do artigo 3º, da Lei 10.054/00, que trata do tema.
Na prática, verifica-se que, ainda, o direito ao silêncio interfere na convicção do magistrado, bem assim de grande parte da população, haja vista o entendimento de que quem é inocente, não tem medo de dizer a verdade. Isto pode até levar o órgão julgador a se convencer da culpabilidade do acusado, mas não é possível se esquecer de que existe a barreira consubstanciada no sistema da livre convicção motivada do juiz.
Como se vê, trata-se de tema extremamente complexo e que pode ensejar contradições quanto ao alcance do direito previsto na Constituição sobre os procedimentos previstos no Código de Processo Penal.
Quanto ao inquérito policial, procedimento investigatório, apesar de não lhe serem inatas as garantias ofertadas pelos princípios da ampla defesa e do contraditório, deve, o indiciado, estar protegido pelo princípio da não auto-incriminação.
Porém, quando se fala em direito ao silêncio, é preciso que não haja dúvida quanto ao fato deste direito não se restringir ao processo judicial, nem tampouco ao procedimento realizado em inquérito policial.
Esse direito encontra-se presente em qualquer procedimento investigatório ou processo judicial e, diante da atual situação política do Brasil, consubstanciada nas investigações de agentes públicos que poderiam estar envolvidos em corrupção, as comissões parlamentares de inquérito (CPI's) viraram palco de colheita de depoimentos, cujos depoentes se apóiam no direito constitucional ao silêncio, reforçado por decisões proferidas pelo órgão supremo brasileiro.
Note-se que o direito sob análise provém de comando constitucional inserido nos direitos e garantias fundamentais, tratando-se, inclusive, de cláusula pétrea.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que às CPI's poderão se opor os mesmos limites formais e substanciais oponíveis aos juízes, dentre os quais o derivado da garantia constitucional contra a auto-incriminação, por deterem o poder instrutório das autoridades judiciais, conforme artigo 58º, § 3º, da Constituição Federal.
Além de respaldo Constitucional, o direito ao silêncio está previsto, em âmbito infraconstitucional no artigo 6º, inciso V, bem como no artigo 186, ambos do diploma processual penal brasileiro.
E, ainda, de acordo com o que dispõe o artigo 186, parágrafo único, do CPP, o silêncio, além de não importar em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
O referido artigo recebeu tal redação com o advento da Lei n.º 10.792, de 1° de dezembro de 2003. Esta Lei além de acrescentar o parágrafo único do artigo 186 do CPP, também deu nova redação ao seu caput, excluindo a frase que determinava que o silêncio do réu poderia ser interpretado em prejuízo da própria defesa, o que destoava, totalmente, da Carta da República de 1988, que assegurou o direito ao silêncio.
Tal Lei, no entanto, em contradição à edição das normas que se compatibilizaram com a Constituição, não reformou a redação do artigo 198 do CPP, mantendo o dispositivo que permite com que o silêncio constitua elemento para a formação do convencimento do juiz.
Mister se faz ressaltar que, antes mesmo do advento dessa Lei, o Brasil, através dos Decretos ns.º 592, de 06 de julho de 1992, e 678, de 25 de agosto de 1992, já havia recepcionado, respectivamente, os Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos e o de São José da Costa Rica, este que estabeleceu a Convenção Americana sobre Direitos Humanos ("Pactos").
O entendimento que predomina é que a Convenção Americana prevalece sobre o primeiro Pacto. Isto porque se extrai de seu texto uma proteção mais ampla ou, ainda, porque em caso de idêntica redação, prevalece o que foi ratificado por último.
A Convenção, em seu artigo 8º, inciso II, alínea g, garante à "toda pessoa" o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; em oposição ao artigo 14, § 3º, alínea g, do primeiro Pacto, que restringiu os mencionados direitos apenas à pessoa acusada.
O direito ao silêncio é matéria constitucionalmente prevista, mas existem conceituados autores e magistrados que indicam, dentro do sistema processual penal brasileiro, limitações a esta norma. É o que se verifica nos artigos 341, 138, 339, 299, 330 e 307, todos do Código Penal, os quais tratam dos crimes de auto-acusação falsa, calúnia, denunciação caluniosa, falsidade ideológica, desobediência e falsa identidade, respectivamente.
De acordo com tais dispositivos, apesar de o direito ao silêncio permitir com que o acusado se cale ou até minta, haja vista não haver, no país, o crime de perjúrio, alguns doutrinadores e juízes afirmam que este direito é restrito.
Desse modo, segundo esses autores e juristas que criticam essa limitação, não abrangeria os direitos de o acusado declarar-se culpado por crime que não praticou, o de acusar terceiro de ter cometido fato tipificado como crime (instaurando-se ou não procedimento administrativo ou processo judicial contra o imputado), o de omitir, inserir, ou fazer inserir declaração falsa em documento público ou particular, o de desobedecer ordem legal, o de se recusar a oferecer à autoridade dados sobre a própria identidade ou qualificação, nem tampouco o de mentir sobre a sua identidade, quando deveria se qualificar e declarar seus antecedentes (art. 186 e 187, § 1º, do CPP).
Contudo, há os que defendam que o acusado pode até incriminar outra pessoa para se salvar, sem que seja punido, para o exercício da sua autodefesa e para não incidir na auto-acusação.
A vítima, assim como o acusado, também não está obrigada a prestar compromisso. É a Convenção Americana, anteriormente citada, que prevê, no artigo 8º, § 2º, g, que "o ofendido não está obrigado a responder pergunta que possa incriminá-lo, ou seja, estranha ao processo", e não o sistema processual penal brasileiro que, além de omitir tal circunstância, atribui o dever de testemunhar, tanto à vítima, quanto ao acusado (artigos 201, parágrafo único e 260, do CPP, respectivamente).
Outro aspecto relevante discutido é o de se a testemunha também estaria amparada por tal direito.
O artigo 207 do Código de Processo Penal dispõe sobre a proibição da testemunha em depor; o artigo 208, por seu turno, prevê a falta de compromisso em dizer a verdade pelos doentes, deficientes mentais e menores de 14 anos; bem como o artigo 206 que inclui o direito de se recusar a depor o ascendente, descendente, afim em linha reta, o cônjuge, ainda que separado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo se não houver outro modo de obter prova.
Todavia, frise-se que, nos casos descritos no parágrafo acima, ocorre o denominado "não dever de depor" ou "proibição de depor" e não o direito ao silêncio propriamente dito.
Ademais, com relação à testemunha, diferentemente do que ocorre com o acusado, ela não poderia, amparada pelo direito ao silêncio, quanto a fato realizado por terceiro, mentir ou omitir perante a autoridade competente, sob pena de lhe ser aplicada a pena do crime de falso testemunho (art. 342, do CP), além de lhe ser defeso não declarar os pontos elencados no artigo 203, do CPP.
Porém, depreende-se do mesmo ordenamento que o dever da testemunha em não mentir está atrelado ao compromisso legal de dizer a verdade, de modo a não praticar crime a testemunha que for mera informante.
A proteção do direito ao silêncio tem por grande fundamento retirar da confissão a importância que há muito tempo lhe era dada, deixando de ser a "rainha das provas", a fim de evitar algumas injustiças já que, além de outros fatores, há motivos que podem fazer com que o indiciado ou o acusado confesse um crime que não cometeu, como, por exemplo, o arrependimento, o remorso, o alívio, o medo, o sentimento de heroísmo, a pressão externa etc.
No entanto, o que se verifica, na prática, é que apesar do direito ao silêncio dever ser observado, há um descontentamento da população leiga que almeja a punibilidade, mas que, por várias razões, não é efetivada, fazendo com que o povo se sinta desarmado quanto ao exercício legal daqueles suspeitos ou acusados de permanecerem calados sem que, muitas vezes, o Estado consiga levantar provas sobre a sua culpabilidade.
Quanto à amplitude do direito ao silêncio, nota-se que ela requer uma limitação, sendo confrontada com outros objetos jurídicos tutelados. Isto porque, se fosse dado, como alguns pretendem, exorbitantes significados à esse direito, a sociedade ficaria mais desprotegida, pois dificultaria o alcance da verdade real.
O que se procurou demonstrar é que o direito ao silêncio, positivado no ordenamento jurídico e discutido por mestres da área, trouxe um dever mais difícil ao Estado, isto é, o de, com mais insistência, investigar e buscar um conjunto de fatores, necessários à propositura da ação penal e a conseqüente condenação, para que, com maior grau de certeza, pudesse restringir, ao final, a liberdade da pessoa.
Texto de Andréia Gasparini
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