Em um ano marcado por incertezas que se seguiram à maior crise financeira global desde 1929, o crédito consignado (com desconto em folha de pagamento) para servidores públicos foi o motor da expansão do crédito pessoal no Brasil em 2009. Confortável para os bancos, esta modalidade considerada de baixo risco para quem empresta cresceu 34,5% de janeiro a novembro do ano passado. Este foi o maior percentual de aumento entre todas as opções de empréstimos para a pessoa física e corresponde a quase 80% do crescimento registrado pelo crédito pessoal como um todo, de acordo com dados do Banco Central (BC).
Os empréstimos tomados pelos funcionários públicos aumentaram R$22,8 bilhões no período e bateram os R$91,69 bilhões em novembro, o maior valor para a série histórica criada em 1995. Nada melhor e mais fácil para os bancos, que emprestam com a certeza de que terão os recursos de volta, uma vez que a garantia é o próprio salário do trabalhador, que não pode ser demitido.
Para os funcionários da iniciativa privada, o crescimento foi de R$2,7 bilhões (acumulando R$13,53 bilhões nos 11 primeiros meses do ano). Os números do BC mostram que o crédito pessoal como um todo aumentou R$31,13 bilhões de janeiro a novembro do ano passado (23,3%).
A possibilidade de desconto em folha dos empréstimos obtidos pelo trabalhador da iniciativa privada deve ser negociada por cada empresa com as instituições financeiras. Embora o estoque seja menor, o percentual de aumento também foi expressivo e chegou a 26,6% no ano.
Taxa de juros é mais baixa para funcionário público
Pelo baixo risco que oferece aos emprestadores, os funcionários públicos também têm direito a taxas de juros bem mais camaradas, embora ainda sejam consideradas altas por especialistas, tendo em vista a qualidade da garantia que apresentam. Foram de 26,9% ao ano, contra 59,5% anuais do crédito pessoal em geral - talvez por esta razão estes empréstimos tenham crescido apenas 8,4% no ano.
Simulações feitas pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), a pedido do GLOBO, mostram que o funcionário público ou da iniciativa privada que fizer o crédito consignado e tomar um empréstimo de R$1.000 para pagar em dois anos, terá de devolver R$1.292,88 em 24 parcelas de R$53,87.
Já o trabalhador que não tem como abater as parcelas do pagamento do fim do mês terá de amortizar a dívida em 24 prestações de R$66,46, o que soma R$1.595,15. Ou seja, R$300 mais.
Para um financiamento de R$2.500, o pagamento pela forma do crédito consignado será de 24 parcelas de R$134,69, o que totalizaria R$3.232,50. Pelo modo normal seriam 24 prestações de R$166,16, ou R$3.987,87 - R$750 mais.
Se tomassem R$10 mil emprestados, servidores públicos e privados com desconto em folha pagariam R$12.929,99 em 24 parcelas de R$538,75. Já a pessoa que não tiver como fazer o crédito consignado será obrigada a pagar 24 parcelas de R$664,64, devolvendo, ao final do período, R$15.951,46 - uma diferença de R$3 mil.
- Com a queda da Taxa Selic, cai muito a rentabilidade de tesouraria dos bancos (investimentos que fazem em títulos públicos, que não oferecem riscos). Como deixam de ganhar, para não prejudicar o mix de aplicações, as instituições vão optando pelas operações que têm menos risco primeiro - disse o presidente da Anefac, Andrew Storfer.
Estabilidade e aumento salarial explicam alta
Para Storfer, o funcionalismo público foi beneficiado duas vezes no ano passado. Uma pelo fato de o funcionário ter estabilidade no emprego. A outra, pelos aumentos mais que expressivos concedidos à categoria no período, especialmente na esfera federal (o que aumenta ainda mais a renda apresentada aos bancos na hora de tomar o empréstimo).
O economista da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) Jayme Alves afirmou que o aumento das linhas de crédito consignado se explica pela baixa taxa de inadimplência para este tipo de operação, uma vez que o desconto é feito na folha de pagamento.
Além disso, ele aponta a retomada do crédito a partir de maio de 2009 pelos bancos de pequeno e médio portes, que costumam ser mais presentes no mercado de crédito da pessoa física, e foram os primeiros afetados pela aversão ao risco no auge da crise financeira.
Segundo ele, a inadimplência para a pessoa física caiu bem mais depressa do que para as empresas, que ainda não terminaram de se recuperar. Mas ainda pode ser considerada alta. Por isso, aumentou o apetite dos bancos pelo crédito consignado.
- A tendência, agora, é de queda da inadimplência do crédito pessoal em geral, o que significa que os juros devem cair para estas linhas de crédito - avaliou.
O Procon-SP disse que não há como evitar a diferença porque não há tabela para juros. A entidade afirmou que as condições destes financiamentos acabam sendo resolvidas pelas leis de mercado.