Servidora do Senado insulta cidadão que consultou remunerações
Direitos e Deveres

Servidora do Senado insulta cidadão que consultou remunerações



Guilherme Oliveira
Contas Abertas     -     11/10/2012





O modelo adotado pelo Poder Legislativo na divulgação dos salários dos servidores gerou ?embate? entre funcionários do Senado Federal e cidadãos. O Contas Abertas teve acesso a emails trocados entre uma servidora da Casa e uma pessoa que consultou a remuneração dela. Na mensagem, a servidora, uma revisora taquigráfica, se referiu ao interlocutor como "fofoqueiro" e "bisbilhoteiro".


O insultado foi Weslei Machado - também servidor público, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Assim que começaram as discussões quanto ao aumento salarial no Judiciário, resolvi comparar nossa remuneração com as remunerações dos outros poderes", conta ele.


Após realizar, por acaso, a consulta à remuneração da servidora, Weslei recebeu a primeira mensagem às 15h21 do dia 4 de outubro: "O seu interesse pelo meu salário é mesmo público? Por questões de segurança, posso saber, por exemplo, quem, onde e quando alguém acessou meus dados, mas não o porquê. Se  alguém que conheço acessa meus dados, então é bisbilhotice. Só por isso pergunto?.


O sistema de consulta de remunerações de servidores utilizado pelas Casas do Congresso Nacional exige que qualquer interessado em verificar o salário de um servidor em particular forneça informações pessoais, tais como endereço de e-mail, número do CPF e endereço residencial. Apenas após o preenchimento desse formulário é possível visualizar a informação desejada. Todos os dados pessoais são enviados ao servidor que teve a remuneração consultada.


Weslei respondeu, às 15h53, que, nos termos da Lei de Acesso à Informação, não precisaria motivar o acesso ao contracheque. ?Trata-se de um direito da cidadania. Como cidadão, estou fiscalizando os valores gastos pela Casa da Fiscalização (Senado) com o seu pagamento", escreveu.


Como réplica, às 16h45, a servidora disparou: "Venia permissa. Se eu o conhecesse, chamá-lo-ia simplesmente de fofoqueiro. Ratione legis, você é um fiscal. Ratione personae, apenas um bisbilhoteiro". As três expressões em latim usadas pela servidora significam, respectivamente: "Com sua permissão para discordar"; "Em razão da lei"; e "Em razão da pessoa".


Weslei considerou o e-mail "afrontoso", já que estava exercendo um direito. ?Fiquei decepcionado. Mais uma vez, confirmamos que o Senado é uma Casa que não cumpre com o princípio republicano e que seus servidores não respeitam a população".


Na opinião dele, o sistema de acesso às remunerações adotado pelo Senado desencoraja a população a fazer consultas. "Para mim, trata-se de uma forma de desestimular o cidadão a exercer seu poder fiscalizatório. Creio que o acesso deveria ser facilitado. É uma vergonha sermos expostos e afrontados quando exercemos o direito inerente à cidadania", critica.


Às 17h03, Weslei ainda enviou uma última mensagem, que ficou sem resposta. Nela, exigiu respeito no tratamento, reforçou seu direito à consulta e ressaltou que toda a informação relativa à remuneração dos servidores é pública. "Com o meu suor e do resto da sociedade brasileira, bancamos a manutenção de seu status remuneratório. Por essa razão, tenho direito de fiscalizar e acompanhar mensalmente a correição dos recursos públicos destinados a V. Sra.", escreveu. Ao final, assinou a mensagem como "Weslei Machado, cidadão brasileiro". Veja aqui os e-mails


Outro lado


O Contas Abertas entrou em contato com a servidora, que acredita não ter se excedido na reação. Quando perguntada sobre o tratamento dispensado a Weslei, ela perguntou: "Ué, você faria o quê?". A taquígrafa disse ainda que, assim como o cidadão tem o direito de fazer a consulta, ela também tem o direito "de gostar ou não".


A Diretoria-Geral do Senado informou que não pode manifestar posição oficial a respeito do caso, pois, de acordo com norma interna da Casa, é necessário haver denúncia formal por meio da Ouvidoria para que, após os devidos trâmites, haja qualquer pronunciamento. O Contas Abertas encaminhou as mensagens trocadas para a assessoria de comunicação do Senado.

A assessoria respondeu que "não cabe à administração da Casa manifestar-se sobre ações pessoais, privadas, de seus servidores". Além disso, defendeu o modelo de consulta de remunerações nominais adotado pelo Senado, argumentando que se trata de "dar igual direito a pesquisadores e pesquisados". "Se um cidadão pode buscar informação pessoal sobre outro é direito deste outro cidadão também saber quem é esse interessado", completou a assessoria.  Veja resposta completa aqui


Consequências


De acordo com Elísio Morais, professor de Direito do UniCEUB, a postura da servidora foi equivocada e pode gerar repercussões legais. "A lei reconhece o cidadão como fiscal, isto é, tem o direito de fazer a fiscalização que desejar. Não há abuso e não pode haver retaliação", afirma.


Na esfera penal, pode haver responsabilização da taquígrafa por injúria ou difamação. "Ele pode processá-la por crime contra a honra, seja íntima ou subjetiva. A íntima é a percepção de si mesmo, e a subjetiva representa o que a sociedade lhe atribui". A esfera civil também pode ser acionada. "Também cabe reparação de danos morais", explica o professor.


Caso similar


Repórter do Contas Abertas viveu situação semelhante à de Weslei. Uma servidora da Casa telefonou para a redação, em horário de trabalho, na quarta-feira (10) e questionou se o repórter havia efetuado consulta a sua remuneração. Ele confirmou que fizera uma pesquisa no início da semana. 


A servidora então perguntou se ele havia ficado satisfeito por conhecer sua remuneração. Depois, garantiu que irá investigar todas as pessoas que fizerem o mesmo. Ela é contrária à divulgação nominal dos salários, mas aprova o modelo adotado pelo Senado. Ela preferiu não se identificar.

Modelo de transparência


O Legislativo é o único Poder da administração pública federal que exige informações pessoais dos cidadãos que consultam a remuneração nominal dos servidores.


Em entrevista ao Jornal Nacional, o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, responsável pela transparência no governo federal, afirmou que a identificação prevista no artigo 10 é para pedidos de informação, pedidos de acesso a determinado documento.


?A pesquisa no salário é livre. Quem pesquisa no nosso portal não precisa se identificar, nem tem como se identificar. Isso é garantia essencial para a plena liberdade de acesso?, avalia.


Já o Sindicato dos Servidores do Legislativo (Sindilegis) defende a medida como forma de gerar reciprocidade. ?Qualquer um pode ter acesso, conforme deliberou Câmara e o Senado federal. É direito do servidor saber quem está acessando também os seus dados?, aponta Nilton Paixão, presidente do Sindilegis.


Os números em torno do funcionalismo público não são pequenos. Existem 9,4 milhões de servidores públicos pagos pelos governos federal, estaduais e municipais, conforme estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no ano passado. O ?time? cresceu 30,2% entre 2003 e 2010. Cerca de 4,9 milhões estão nas prefeituras e 3,5 milhões nos estados.


As despesas com pessoal nas três esferas de governo representam 14% do Produto Interno Bruto (PIB). Para 2012, mais de R$ 200 bilhões estão previstos só no Orçamento da União para a rubrica ?pessoal e encargos sociais?, valor cinco vezes maior do que o destinado ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).






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