Técnicos-administrativos decidem radicalizar o movimento em defesa da manutenção da gratificação de 26,05%. Sindicato da categoria deverá recorrer hoje ao Supremo
O fim da greve dos professores da Universidade de Brasília (UnB), decidido na segunda-feira, não significou a volta à normalidade na instituição. Cerca de 500 funcionários técnicos-administrativos decidiram ontem, em assembleia, que continuarão parados e que estão dispostos a aceitar as pesadas consequências que virão caso a greve seja considerada ilegal (leia para saber mais). O resultado saiu de uma reunião que oscilou entre o absoluto consenso e a animosidade entre os coordenadores do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação UnB (Sintfub). Defensores da suspensão temporária ou do fim da greve se desentenderam com partidários da manutenção do movimento e houve até princípio de confronto, que logo foi apartado.
Ao contrário do racha evidente entre os docentes, a maioria dos servidores optou por permanecer de braços cruzados enquanto não houver garantias de que a Unidade de Referência de Preços (URP) ? equivalente a 26,05% dos salários ? será paga à categoria. ?Se tirarem a minha URP, eu viro um bicho. Aqui é lugar de fortalecimento do movimento. Os covardes, em casa. Os bravos, na infantaria?, provocou o funcionário da Biblioteca Central Frederico Mourão. Integrante da minoria, o coordenador do sindicato Luís de Sousa alertou os colegas sobre o perigo de seguir com a paralisação. ?Se nossa greve continuar, podemos receber multa diária de R$ 120 mil e ter o ponto cortado. Juiz não sofre pressão de greve?, alegou Sousa, em um apelo mal recebido pelos colegas. A Advocacia-Geral da União (AGU) ainda não entrou com um processo na Justiça e afirmou, por meio de assessoria, que tentará ir até o limite das negociações antes de recorrer ao pedido de ilegalidade.
A polêmica retirada dos docentes também foi alvo de críticas. ?Se os professores ficaram com medo e saíram da greve, nós não temos medo. Nós vamos lutar e mostrar que temos valor?, disse Cosmo Balbino, presidente do Sintfub. O diretor do sindicato dos professores, Flávio Botelho, assegurou que ?os professores saíram da greve, mas seguem na luta contra a redução dos salários?.
Radicalização
Os servidores aprovaram também medidas para radicalizar a greve, como o encerramento das atividades da Central de Processamento de Dados (CPD), serviço de informática da universidade que controla a internet, a intranet, a correspondência eletrônica, a alimentação de bancos de dados entre outros serviços. A medida, se concretizada, pode paralisar o funcionamento da UnB.
O advogado do Sintfub, Valmir Floriano, participou da assembleia e assegurou que daria entrada com um pedido de liminar semelhante ao feito pelos professores o mais rápido possível no Supremo Tribunal Federal (STF). ?Isso será feito, no mais tardar, na manhã de amanhã (hoje)?, afirmou Cosmo Balbino. A resposta do Supremo deve ser divulgada dentro de 48 horas. Amanhã, os servidores fazem nova assembleia para discutir as repercussões da decisão. ?Se o STF negar a liminar, estará dizendo que trabalhadores que não os docentes não servem para nada?, acredita a servidora Maria do Socorro.
Greve estudantil
Os estudantes decidiram permanecer ao lado dos funcionários mesmo após a saída dos docentes. ?Não vamos rachar o movimento. Os professores saíram da greve sem que houvesse antes qualquer previsão. Nem sequer existe um calendário. Agora não é hora de sair da luta. É hora de debater a situação da universidade?, disse Raul Cardoso, coordenador do Diretório Central dos Estudantes (DCE). ?Acho uma falta de respeito dizer que a greve acabou. A greve não é só dos professores. As coisas estão sendo muito mal colocadas, mal discutidas?, criticou a aluna de psicologia Luíza Borges, 22 anos.
Apesar de os corredores estarem cheios, muita gente não conseguiu ter aula. Caso de Raphael Freitas, 27 anos, possível formando em música. ?Não tive nenhuma das duas aulas da manhã. Não havia ninguém dando informações?, conta. Natasha de Albuquerque, 18, conseguiu assistir a uma aula do curso de artes plásticas, mas com a sala minguada de alunos. Háyra Tostes, 20, aluna de artes não teve nenhuma aula. ?Sou a favor da greve, apesar de ter atrapalhado a minha vida. As pessoas têm a vida montada com aquele salário. Mas, se as aulas forem normalizadas, vou assisti-las?, comenta.
O calendário do semestre deverá ser divulgado na segunda-feira pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe). O último dia de aula deve ser 4 de setembro. A retomada para o segundo semestre acontece apenas 20 dias depois e o segundo semestre letivo só deverá terminar em fevereiro.
Para saber mais
Ainda falta regulamentar
A greve no setor público não é regulamentada. Neste ano, o Congresso aprovou a Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho, que obriga governos e representantes do funcionalismo a negociar antes do início da greve. O texto precisa ser sancionado pelo presidente Lula e deve ser regulamentado dentro de um ano. Apesar disso, em 2008 o Supremo Tribunal Federal abriu jurisprudência ao aplicar a Lei nº 7.783, que rege o direito de greve no regime CLT, em um caso de paralisação dos advogados públicos da AGU. Desde então, greves como a da UnB vem sendo questionadas pela própria AGU.