Só 14 demitidos foram condenados
Direitos e Deveres

Só 14 demitidos foram condenados





Valor Econômico - 11/01/2010

Apenas 14 servidores públicos demitidos por corrupção, entre 1993 e 2005, foram efetivamente condenados pela Justiça. Isso representa 3,71% de 441 funcionários públicos federais exonerados no período. E somente 7 (1,59%) foram condenados por improbidade administrativa, o que significa a obrigatoriedade de devolver o dinheiro desviado aos cofres públicos.

Esses dados constam da dissertação de mestrado defendida pelo corregedor-adjunto da Controladoria Geral da União (CGU), Carlos Higino Alencar, no fim de 2009, no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Intitulada "Direito e Corrupção - um estudo sobre a eficácia do processo judicial no combate à corrupção", a dissertação, ainda não publicada e obtida pelo Valor, revelou números desoladores, na opinião do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, que foi um dos avaliadores de Higino.

O corregedor-adjunto da CGU não chegou a analisar se as condenações resultaram em prisão efetiva ou se os recursos desviados foram efetivamente recuperados. Mas o resultado empírico corrobora uma percepção presente na sociedade: a sucessão de escândalos de corrupção no país e o sentimento de indignação das pessoas a cada nova denúncia ainda não são suficientes para a condenação e prisão dos envolvidos nos chamados crimes de colarinho branco.

Uma série de fatores, na avaliação de autoridades que acompanham o problema, como o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o ministro-chefe interino da CGU, Luiz Navarro, contribui para essa clima de impunidade: o Judiciário permite uma série de recursos e manobras protelatórias, o que torna os processos intermináveis; acusados de corrupção normalmente têm acesso a bons advogados, que sabem usar essas brechas jurídicas para adiar os julgamentos; juízes costumam interpretar que as prisões só podem acontecer após condenação em última instância.

Com isso, processos de corrupção passam, normalmente, por quatro níveis de julgamento, com todos os recursos permitidos em cada uma dessas fases: 1ª instância, Tribunal de Justiça local, Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF. Tanto Navarro quanto Genro defendem uma saída alternativa: autorizar a prisão após o julgamento em 2ª instância. "O acusado teria condições de se defender num tribunal estadual, sem alegar perseguição de um juiz iniciante", explicou Genro.

O foro privilegiado é outro elemento que favorece a não punição dos corruptos. "A existência do foro é um absurdo. Um parlamentar que está sendo processado pelo STF, quando perde o mandato, faz com que o processo seja integralmente transferido para a 1ª instância. Depois esse cidadão é eleito novamente e o processo sobe mais uma vez. Esse vaivém impede a tramitação da ação", reclamou Navarro.

O benefício do foro gerou revolta do ministro do STF Joaquim Barbosa, em 2007. Ele relatou a acusação contra o então senador Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB) de tentativa de homicídio contra seu antecessor, Tarcísio Buriti. Na véspera do caso ser levado ao plenário do Supremo, Cunha Lima renunciou ao mandato, na esperança do processo ser remetido à 1ª instância. Barbosa protestou e o processo acabou permanecendo no STF.

Para Tarso Genro, existe também uma razão sociológica que favorece a impunidade - e ele diz isso com base em dados de um dos principais livros de Raymundo Faoro - "Os donos do Poder" - que aponta o período colonial brasileiro como o início do processo burocrático e de corrupção no Brasil. "Ele explicita a formação da elite política e social brasileira que se soma a uma ideologia da impunidade ainda presente".

Essa ideologia da impunidade também apareceu de forma bastante expressiva na tese de Higino. Ele percebeu que "os servidores públicos que cometem atos de corrupção realizam um cálculo sobre os ganhos que podem obter desses atos e os custos envolvidos em sua prática que dependem, em grande parte, das punições previstas e da chance de sua real aplicação".

O ministro da Justiça não é de todo pessimista quanto ao futuro. Ele lembra que, ao longo dos últimos anos, foram aperfeiçoados mecanismos de fiscalização e investigação no país: órgãos como a CGU, o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público e a Polícia Federal ganharam mais poderes, especialmente após a Constituição de 1988, para combater a corrupção.

"O próprio Judiciário começa a rever seus conceitos. A despeito de algumas posições conflitantes apresentadas pelo ministro Gilmar Mendes, ele tem o mérito de expor um debate sobre a punição aos corruptos que inexistia no país", elogiou Genro. (JB e PTL)





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