Sexta Turma
LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADA. MEDIDA PROTETIVA.
Noticiam os autos que o paciente iniciou namoro com a vítima em ambiente onde ambos trabalhavam e que, após quatro anos de namoro, certo tempo depois do término desse relacionamento, o paciente passou a espalhar panfletos difamatórios contra ela, pichar o muro de sua residência e até seu quarto, culminando com incêndio ocorrido na garagem de sua casa, o que a levou a acionar os bombeiros. Segundo a vítima, os vizinhos viram o paciente circulando em frente da casa no dia dos fatos. Consta ainda que foi instaurado inquérito policial para apurar a prática do crime ocorrido no âmbito doméstico e que o Ministério Público, ao tomar conhecimento dos fatos, propôs medida protetiva de proibição de aproximação do paciente em relação a ela e seus familiares. Irresignado com a determinação, impetrou habeas corpus no TJ, que foi denegado. Esclarece a Min. Relatora que, nesse momento, não é permitido adentrar as provas dos autos na via estreita do habeas corpus e, na fase procedimental em que o processo encontra-se, a palavra da vítima é suficiente para configurar os indícios de autoria. Ressalta que, nesse diapasão, considera-se que quatro anos de namoro configuram, para os efeitos da Lei Maria da Penha, relação doméstica ou familiar, por caracterizar relacionamento íntimo. Explica que mantém esse entendimento porque, nos casos julgados pela Terceira Seção deste Superior Tribunal (CC 91.980-MG e CC 94.447-MG), embora, por maioria, tenha a Terceira Seção decidido remeter a causa ao juiz de Direito do Juizado Especial em vez de ao juízo de Direito Criminal, fê-lo por entender que, naqueles casos específicos sob julgamento, a violência praticada contra a mulher não decorria da relação de namoro. Sendo assim, a Terceira Seção não decidiu que a relação de namoro não é alcançada pela Lei Maria da Penha. Anotou que as disposições preliminares da Lei n. 11.340/2006 dispõem, no art. 4º, que a lei (Maria da Penha) deverá ser interpretada tendo por objetivo os fins sociais a que ela se destina, considerando, especialmente, as mulheres nas suas condições peculiares, em situação de violência doméstica e familiar. Explica que, depois de o legislador chamar atenção para a interpretação correta, dispõe em seguida sobre o que configura violência doméstica para os efeitos da lei - preceitua que a unidade doméstica refere-se a todo e qualquer espaço de convívio, ainda que esporádico, que a família é considerada a união de pessoas, dentre outras, por vontade expressa e que o âmbito doméstico familiar é caracterizado por qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva com a ofendida (art. 5º da citada lei). Logo, não se trata de saber se a relação do casal caracterizou união estável ou não, se o convívio cessou ou não, basta que, em determinado momento, por vontade própria, ainda que esporadicamente, tenha havido relação de afeto, independentemente de coabitação. Para a Min. Relatora, não se pode afastar o namoro do âmbito de proteção da Lei Maria da Penha sob pena de corroborar o estado de violência apresentado todos os dias nos noticiários. Com essas colocações, entre outras, a Turma conheceu parcialmente do pedido e, nessa parte, denegou a ordem. HC 92.875-RS, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada pelo TJ-MG), julgado em 30/10/2008.
Informativo n. 374
O Ministério Público do Rio Grande do Sul ingressou com medida protetiva com fundamento na Lei n.º 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), pleiteando a proibição de Carlo Favaretto de se aproximar da vítima Sílvia Regina de Freitas Prestes, com quem teria namorado por quatro anos.
Concedida a medida que impedia que Carlo se aproximasse de Sílvia, ele impetrou habeas corpus, que veio a ser denegado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa segue transcrita abaixo:
"HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA. MEDIDA PROTETIVA DE PROIBIÇÃO DO PACIENTE DE APROXIMAR-SE A MENOS DE 50 METROS DO ENDEREÇO PROFISSIONAL DA VÍTIMA. MEDIDA ADEQUADA AO CASO CONCRETO, INEXISTINDO CONSTRANGIMENTO ILEGAL A SER SANADO. ORDEM DENEGADA. DECISÃO UNÂNIME".
A defesa sustentou que não constam provas suficientes nos autos para garantir a medida protetiva, apenas a palavra da ofendida, bem como alegaram que a Lei Maria da Penha é inconstitucional, vez que viola o artigo 5º, inciso I, da Constituição da República:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Ademais, afirmou que a aplicação da Lei n.º 11.340/2006 pressupõe existência de unidade familiar mantida entre a vítima e o paciente.
De acordo com o artigo 1º, "Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar".
Dentre as definições que a Lei fornece acerca da violência doméstica e familiar contra a mulher, tem-se "qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação" (artigo 5º, inciso III).
Finalmente, alegou a ilegitimidade do Parquet para promoção da medida protetiva. A Lei Maria da Penha prevê capítulo específico sobre sua atuação:
Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:
I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;
II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;
III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. (grifos nossos)
Ademais, no artigo 8º, inciso I, referida Lei elenca entre as medidas destinadas à proteção da mulher no âmbito familiar e doméstico, a ação conjunta de diversos órgãos públicos, dentre eles, o Ministério Público. Senão, vejamos:
Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:
I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;
Não bastasse isso, o artigo 19, § 3º, do mesmo texto legal dispõe que o Ministério Público poderá requisitar medidas protetivas de urgências, in verbis:
Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
(...)
§ 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
Nesse sentido, correto o pedido do Parquet em requerer o afastamento do paciente em relação à vítima e seus familiares:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
(...)
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
Cabe ressaltar que referido posicionamento pode ter sido influenciado pela forma cruel como morreu a adolescente de Santo André, Eloá, seqüestrada pelo ex-namorado, Lindemberg Fernandes Alves, conforme amplamente noticiado pela mídia.