Direitos e Deveres
LEI 8.009/90. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA: a impenhorabilidade garante mínimo de patrimônio ao devedor, para sua subsistência.
É esta a interpretação do STJ ao julgar a penhora de imóvel locado ou quando o devedor possui mais de uma residência.
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
A impenhorabilidade, como garantia de subsistência e salvaguarda "da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da igualdade substancial?, estende-se não apenas ao casal ou à família, em sentido estrito, mas também às pessoas solteiras, separadas ou viúvas.
Se o imóvel estiver alugado e o fruto se prestar à
subsistência do proprietário, em outro local, continuará o imóvel protegido pela impenhorabilidade, dado que cumpre sua finalidade (a subsistência da unidade familiar).
São poucas as situações em que a lei exclui a impenhorabilidade: para saldar créditos dos trabalhadores da própria residência e as contribuições previdenciárias destes trabalhadores; se o imóvel estiver hipotecado ou para saldar o crédito decorrente do financiamento para a construção ou aquisição do imóvel; por dívida de pensão alimentícia; para a cobrança de impostos, taxas e contribuições devidas em relação ao imóvel; por ter sido o imóvel adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Ou seja: se existir dívida associada ao imóvel garantido, como tributos (IPTU, taxas, contribuições), cobrança de quotas condominiais sobre ele incidentes (REsp. 203.629?SP, Rel. Min. CESAR ROCHA, DJU 21.06.1999.) ou hipoteca, não prevalece a proteção que atinge o bem. Assim também no caso de dívida originada de pensão alimentícia, pois neste caso dois bens devem ser protegidos: a dignidade da pessoa humana do devedor e a dignidade da pessoa humana do alimentando. O legislador optou pelo alimentando.
No caso de dívida trabalhista, apenas aquela oriunda do trabalho ligado à residência não está abrigada pela proteção da Lei 8.009/90.
Outra exceção é aquela que livra o imóvel da proteção quando adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. É claro: a lei não poderia se prestar a proteger o criminoso em detrimento da vítima ou da sociedade.
Por fim, ainda que alguém possua um único imóvel, destinado à sobrevivência sua e de sua família, se se prestar a ser fiador, perderá a proteção da impenhorabilidade do bem de família. Se assina o contrato, garante o pagamento dos aluguéis. Em sendo o locatário inadimplente, responde o fiador, ainda que possua um único imóvel, destinado à sobrevivência de sua família.
Anote-se que, se o devedor possuir e residir em mais de um imóvel, aquele de menor valor será o protegido pela impenhorabilidade, a menos que ele destine outro à proteção, formalizada no cartório de registro de imóveis.
O caso aqui analisado pelo STJ é o da mudança temporária. Se uma família, por força do contrato de trabalho, deixou o imóvel em que residia, não perde ele a qualidade de bem de família. Não seria outra a interpretação, uma vez que o bem em apreço fora locado, e os frutos da locação destinavam-se à subsistência da família.
Mudança temporária não afasta proteção do bem de família
Se o afastamento da residência é determinado pela necessidade de subsistência, o imóvel desocupado não perde a proteção dada ao bem de família. O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Os devedores moraram em Campinas (SP) entre 2005 e 2012, a trabalho. Em razão de protesto de promissória, houve penhora do imóvel do casal, situado em Petrópolis (RJ). O tribunal local entendeu que o bem servia de casa de veraneio e por isso não estava protegido pelo conceito de bem de família.
A ministra Nancy Andrighi, porém, discordou. Para a relatora, a impenhorabilidade do bem de família visa proteger a dignidade humana com o resguardo de um patrimônio mínimo necessário à pessoa, em vez de garantir a satisfação do credor.
?Essa proteção é fruto do movimento pela despatrimonialização do direito civil?, explicou a ministra. Nessa perspectiva, princípios constitucionais se impõem: ?A interpretação das normas civis deve privilegiar, sempre, a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a igualdade substancial?, completou a relatora.
Subsistência
Segundo a jurisprudência do STJ, a proteção do bem de família não se restringe a ?família? em sentido estrito. Alcança também as pessoas solteiras, separadas ou viúvas, além das famílias proprietárias de imóveis locados a terceiros, desde que a renda reverta à sua subsistência.
Por outro lado, a proteção não se estende aos imóveis desocupados se não forem atendidos os objetivos da lei. Segundo a ministra, o bem precisa estar ?concretamente afetado à subsistência da pessoa ou da entidade familiar?.
A relatora também explicou que a moradia permanente a que se refere a lei é a moradia duradoura, definitiva e estável. Isso excluiria a proteção legal de bens mantidos para uso apenas eventual ou de mero deleite. Nesses casos, os objetivos da lei não estariam atendidos.
No caso julgado, os devedores residiam em Campinas, em imóvel locado pelo empregador, que também pagava pelos deslocamentos do casal entre o Rio de Janeiro e São Paulo durante a vigência do contrato de prestação de serviços. Para a ministra, essas circunstâncias não permitem afastar o caráter de bem de família do imóvel localizado no Rio.
Desocupação
?A despeito de não estarem ocupando ininterruptamente o imóvel ? o que, aliás, seria impossível, em virtude do trabalho exercido em outro estado da federação ?, os recorrentes não deixaram de tê-lo como moradia duradoura, definitiva e estável?, afirmou a ministra.
O simples fato de o imóvel ficar desocupado durante grande parte do tempo, enquanto eles moravam em Campinas, não afastou a incidência da proteção porque ?o motivo do seu afastamento reside justamente no exercício de trabalho temporário, necessário à manutenção da própria subsistência?, destacou a relatora. Assim, o objetivo da lei estaria atendido.
Ela acrescentou que a prova dessa situação está no fato de que, ?uma vez extinto o contrato de trabalho temporário, desapareceu o vínculo que tinham os recorrentes com o imóvel de Campinas?.
REsp 1.400.342
Fonte: STJ
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Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC ? Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
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