Valor Econômico - 09/08/2010
Números oficiais mostram que, no primeiro semestre, o déficit do regime previdenciário dos funcionários públicos da União superou, mais uma vez, o do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Enquanto o primeiro somou R$ 25,1 bilhões, o segundo chegou a R$ 22,6 bilhões. O resultado mostra uma tendência iniciada em 2008 e revela a necessidade urgente de reforma institucional nessa área.
No ano passado, o déficit do regime de aposentadorias dos servidores federais atingiu R$ 47 bilhões, enquanto o do RGPS ficou em R$ 42,9 bilhões. Em 2008, o dos funcionários já havia superado o dos trabalhadores do setor privado - respectivamente, R$ 41,1 bilhões e R$ 36,2 bilhões. Em 2010, segundo números do Tesouro Nacional publicados pelo Valor, a história está se repetindo.
Antes de qualquer outra consideração, deve-se lembrar que, enquanto o regime previdenciário dos funcionários públicos federais paga benefícios a 938 mil pessoas, o RGPS o faz para 27,5 milhões. Em junho, o benefício médio pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi de R$ 864. Já o dos servidores inativos somou cerca de R$ 6 mil. Mesmo levando em conta o fato de a Previdência Social no Brasil não pagar apenas aposentadorias, mas também outros benefícios sociais, a diferença de tratamento que o Estado brasileiro dá a uma classe de trabalhadores em detrimento de outra é gritante e injustificável.
Um argumento geralmente usado em defesa do privilégio do funcionalismo diz que, enquanto o servidor público contribui com 11% do salário bruto para a aposentadoria, o trabalhador do setor privado paga até 11% sobre uma parcela da remuneração, limitada a um teto em torno de R$ 3 mil. Ocorre que, enquanto o servidor tem direito a aposentadoria integral, o trabalhador comum recebe um benefício proporcional ao de sua contribuição ao longo da vida laboral, limitado sempre a um teto (também em torno de R$ 3 mil).
O fato é que, mesmo contribuindo mais, os funcionários públicos geram um déficit para os cofres públicos bem maior que o dos empregados da iniciativa privada. Acrescente-se a isso o fato de que a contribuição patronal da União para o regime próprio é maior que a dos servidores - entre janeiro e junho, atingiu R$ 5,3 bilhões, face a R$ 4,6 bilhões recolhidos pelos funcionários.
O déficit do regime dos servidores vem crescendo numa velocidade maior que a do RGPS. No primeiro semestre, avançou 9,5% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto o saldo negativo da previdência social cresceu 6,2%. Segundo especialistas, isso está ocorrendo graças aos generosos aumentos salariais que o governo Lula, bem como os chefes dos outros poderes, vem concedendo desde 2007. Como algumas mudanças feitas nos planos de carreira do funcionalismo ainda não foram integralmente implementadas, a tendência de crescimento do rombo continuará nos próximos anos.
A razão para esse fenômeno decorre de uma distorção inominável do sistema de aposentadoria do funcionalismo existente no Brasil. Aqui, toda vez que o governo aumenta o salário de um servidor da ativa, o aposentado recebe o mesmo percentual de reajuste. Essa regra contraria os fundamentos do bom cálculo atuarial. Ademais, é destituída de qualquer sentido econômico, afinal, aumento real (acima da inflação) só se deve conceder a quem está na ativa, como incentivo à elevação da produtividade.
No RGPS, não existe esse automatismo. A correção do piso previdenciário obedece à política de correção do salário mínimo. Já os benefícios superiores ao mínimo devem ser reajustados, conforme prevê a Constituição, pela inflação passada - recentemente, governo e Congresso, movidos pela demagogia típica de ano eleitoral, decidiram conceder aumento real também para essa categoria de aposentados.
Quando assumiu o poder em 2003, o presidente Lula encaminhou emenda constitucional ao Legislativo igualando o regime de aposentadoria dos funcionários públicos ao do RGPS. A proposta foi aprovada, mas jamais implementada porque o presidente Lula, temeroso da perda de apoio político, não se dispôs a regulamentá-la. É um tema sobre o qual nenhum dos candidatos à presidência está falando, mas que certamente estará na agenda política do país a partir do próximo ano.