Terceirização de risco na Petrobrás
Direitos e Deveres

Terceirização de risco na Petrobrás




Regina Alvarez 
O Globo    -    20/02/2011


Para cada concursado existem 3,6 funcionários de empresas privadas, 80% em situação irregular 


Embalada pelo aumento da produção e dos negócios, a Petrobras turbinou a contratação de funcionários terceirizados e está usando esse tipo de mão de obra de forma irregular em atividades estratégicas e de alto risco, como a fiscalização de serviços de prospecção de petróleo nas plataformas em alto-mar. Enquanto amplia a atuação dos terceirizados, trava uma batalha com o Ministério Público do Trabalho, por meio de recursos na Justiça, empurrando decisões judiciais que determinam a substituição desses trabalhadores por funcionários concursados nas chamadas atividades-fim. 

Os terceirizados chegam perto de 300 mil funcionários em todo o sistema. Com base em cálculos do Ministério Público do Trabalho e do Tribunal de Contas da União (TCU), conclui-se que em torno de 80% estão em situação irregular, exercendo atividades-fim que só poderiam ser executadas por concursados, segundo determina a Constituição, no artigo 37. 

Pelo último balanço oficial da estatal, relativo a 2009, para cada funcionário concursado a Petrobras tinha 3,8 terceirizados. Em 2010, a proporção teria sido de 3,6, segundo a estatal: 291 mil terceirizados para um quadro de carreira de 80 mil funcionários. 

Confirmado esse quadro na divulgação do próximo balanço de sustentabilidade, a Petrobras terá contabilizada a contratação de 135 mil terceirizados desde 2005 - quando 92 mil foram aprovados em concurso - enquanto o quadro de concursados aumentou em 26 mil. Nos últimos cinco anos, para cada concursado admitido pela empresa, entraram cinco terceirizados. 

Na contramão do Ministério Público do Trabalho, que fechou acordo com o governo federal em 2006 para a substituição dos terceirizados em situação irregular na administração direta até 2010, com a mesma recomendação para a administração indireta, a maior estatal federal não apenas ampliou o número de funcionários terceirizados no período, como as atividades desempenhadas por eles. 

Concursados não são chamados 

Pressionada pelo aumento da produção, a estatal está terceirizando serviços altamente especializados, como a fiscalização na prospecção de petróleo nas plataformas em alto-mar. 

Isso acontece no Polo de Macaé, onde a empresa Bureau Veritas (BV) fornece os fiscais. Até pouco tempo, essa fiscalização era feita por engenheiros do quadro da Petrobras, mas com o aumento da produção, em vez de contratar mais engenheiros, ou incorporar os concursados ao quadro, a estatal optou pela terceirização. 

Também reduziu o número de fiscais nessas atividades, com risco à segurança de pessoas e equipamentos. Os serviços de engenharia submarina feitos com embarcações estrangeiras, em alto-mar, estão sendo realizados sem fiscalização adequada. 

Até poucos anos, eram mantidos dois fiscais do quadro da Petrobras por barco em período de 14 dias, em turnos de 12 horas. Assim, havia sempre um fiscal do quadro acompanhando a operação. Nos últimos anos, a estatal deixou só um fiscal no serviço; a partir de 2010 começou a utilizar fiscais terceirizados, que ficam sozinhos acompanhando os serviços. 

A maioria das ações da Justiça contra a terceirização tem como objetivo a nomeação de concursados aprovados desde 2005. Eles estão em um cadastro de reserva criado pela estatal, que teria estoque de 87 mil aprovados sem nomeação, segundo uma comissão formada por esses aprovados e entidades ligadas a petroleiros. A Petrobras não avaliza o número nem reconhece o direito dos aprovados a partir de 2009. Segundo a estatal, o cadastro de reserva tem 1.375 nomes. 



Respaldados por decisões favoráveis da Justiça, os aprovados em concursos desde 2005 estão organizados e se comunicam por meio de um site. Eles passaram por todas as etapas do concurso, inclusive exames médicos, mas não foram nomeados, sem qualquer justificativa da estatal. No lugar dos concursados, atuam terceirizados fazendo as mesmas funções, mas contratados por critérios pouco claros. 

Muitas ações se baseiam em relatos de terceirizados aprovados no concurso e que não foram nomeados. Esses depoimentos não deixam dúvidas de que a situação dos terceirizados é irregular. Eles têm crachá da estatal, batem ponto, respondem diretamente a um concursado e não têm contato cotidiano com chefias da empresa que aparecem na carteira de trabalho. 

O impasse entre a estatal e o Ministério Público do Trabalho é tão grande que os procuradores entraram na Justiça requerendo um mandado de busca e apreensão na sede da empresa para obter registros dos terceirizados, que não são fornecidos pela estatal. O repasse das informações foi determinado pela Justiça, mas a Petrobras mais uma vez recorreu de decisão. 

- A Petrobras é uma caixa-preta. Não cumpre decisões. Comporta-se como se estivesse acima da lei e não tivesse de dar satisfação aos órgãos públicos - diz o procurador Marcelo José Fernandes da Silva, do Ministério Público do Trabalho do Rio. 

Embora tenha reduzido o número de terceirizados na administração direta, entre 2006 e 2010, em cumprimento ao acordo com o MPT e seguindo recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo federal tem feito vista grossa em relação às estatais. Decreto de 1997 que regulamentou a terceirização no serviço público, indicando quais atividades poderiam ser executadas por mão de obra sem concurso, as chamadas atividades-meio, determinou que as contratações na administração indireta seriam disciplinadas pelo Conselho de Coordenação das Empresas Estatais. 

Isso nunca foi feito. Só depois de um acórdão do TCU de 2010, determinando a substituição de terceirizados irregulares, o Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest) trabalha nessa regulamentação. O TCU deu prazo de cinco anos para a substituição dos terceirizados em situação irregular. Na Petrobras, a auditoria considerou o quadro de 2006, identificando 143 mil funcionários nessa situação. No começo do mês, a Petrobras encaminhou ofício ao TCU, por meio do Ministério de Minas e Energia (MME), pedindo ampliação do prazo de cinco para sete anos devido à "complexidade do assunto". 

O Ministério do Planejamento, a quem o Dest está subordinado, informou que em setembro o Departamento encaminhou ofício às estatais recomendando o cumprimento do acórdão do TCU. As empresas têm até outubro deste ano para informar quais atividades são fins e quais são meio. Também devem enviar um cronograma de substituição dos terceirizados em até cinco anos, segundo o Planejamento.






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