Agentes econômicos excluídos do conceito de empresário
Direitos e Deveres

Agentes econômicos excluídos do conceito de empresário


Temos enfatizado, até aqui, que a teoria da empresa, como critério delimitador do âmbito de incidência do direito empresarial, superou uma grande deficiência da antiga teoria dos atos de comércio, a qual acarretava um tratamento anti-isonômico dos agentes econômicos, na medida em que certas atividades, como a prestação de serviços e a negociação imobiliária, eram excluídas do regime jurídico comercial, fazendo com que seus exercentes não gozassem das mesmas prerrogativas conferidas àqueles abrangidos pelo direito comercial de então.
A teoria da empresa, sem se preocupar em estabelecer, aprioristicamente, um rol de atividades sujeitas ao regime jurídico empresarial, optou por fixar um critério material para a conceituação do empresário, critério esse, como visto, deveras abrangente, por não excluir, em princípio, nenhuma atividade econômica do seu âmbito de incidência.
Ocorre que esse critério material – previsto no art. 966 do Código Civil de 2002 – não se aplica a determinados agentes econômicos específicos, acerca dos quais nos referiremos adiante. Para estes agentes, a lei optou por critérios outros para a determinação de sua submissão ou não ao regime jurídico empresarial.
Isso significa dizer que o conceito de empresário previsto no art. 966 do Código Civil, que, em princípio, parece englobar toda e qualquer pessoa, física (empresário individual) ou jurídica (sociedade empresária), que exerça toda e qualquer atividade econômica organizada, não é, na verdade, tão abrangente assim. Com efeito, existem agentes econômicos que, a despeito de exercerem atividades econômicas, não são considerados empresários pelo legislador, o que nos permite concluir também que existem atividades que, a despeito de serem atividades econômicas, não configuram empresa.
Esses agentes econômicos (indivíduos e sociedades que exercem atividade econômica não empresarial) não considerados empresários pelo Código Civil são basicamente o profissional intelectual (profissional liberal), a sociedade simples, o exercente de atividade rural e a sociedade cooperativa.
A situação específica dos profissionais intelectuais, também chamados de profissionais liberais, está disciplinada no art. 966, parágrafo único, do Código Civil: “não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.
Em princípio, pois, os profissionais intelectuais (advogados, médicos, professores, etc.) não são considerados empresários, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Mas o que o legislador quis dizer ao usar essa expressão?
Parece que o Código Civil quer com isso dizer que, enquanto o profissional intelectual apenas exerce a sua atividade intelectual, ainda que com o intuito de lucro e mesmo contratando alguns auxiliares, ele não é considerado empresário para os efeitos legais. Enquanto o profissional intelectual está numa fase embrionária de atuação (é um profissional que atua sozinho, faz uso apenas de seu esforço, da sua capacidade intelectual), ele não é considerado empresário, não se submetendo, pois, ao regime jurídico empresarial.
Ora, é preciso lembrar que empresa é uma atividade econômica organizada, isto é, atividade em que há circulação dos fatores de produção, e no exercício de profissão intelectual essa organização dos fatores de produção assume importância secundária, às vezes irrelevante. No exercício de profissão intelectual, o essencial é a atividade pessoal do agente econômico, o que não acontece com o empresário.
Todavia, a partir do momento em que o profissional intelectual dá uma forma empresarial ao exercício de suas atividades (impessoalizando sua atuação e passando a ostentar mais a característica de organizador da atividade desenvolvida), será considerado empresário e passará a ser regido pelas normas do direito empresarial.
Com efeito, o empresário é a pessoa que exerce atividade  econômica organizada, ou seja, é quem articula os diversos fatores de produção – insumos, mão de obra, capital e tecnologia – tendo em vista a exploração de uma determinada atividade econômica. Para tanto, constituirá todo um complexo de bens materiais (alugará um imóvel, adquirirá equipamentos, contrairá empréstimos, etc.) e imateriais (criará e registrará uma marca, patenteará um novo processo tecnológico de produção, etc.) e buscará, a partir da organização e exploração desse complexo de bens (o estabelecimento empresarial), auferir lucro, porém, sabendo que sofrerá também eventuais prejuízos resultantes do fracasso do empreendimento.
Tudo o que se disse parece se referir exclusivamente a profissionais intelectuais que exercem suas atividades individualmente, na qualidade de pessoas físicas. Mas essa ideia é equivocada. A regra do art. 966, parágrafo único, do Código Civil vale também para as chamadas sociedades uniprofissionais, ou seja, sociedades constituídas por profissionais intelectuais cujo objeto social é justamente a exploração de suas profissões (por exemplo, uma sociedade formada por médicos para prestação de serviços médicos, uma sociedade formada por engenheiros para prestação de serviços de engenharia, etc.).
Aliás, é quanto ao exercício de atividade intelectual em sociedade que a regra do art. 966, parágrafo único, do Código Civil suscita mais dificuldades de ordem prática.
Já se disse acima que o empresário, aquele que exerce atividade econômica organizada, pode ser uma pessoa física (empresário individual) ou uma pessoa jurídica (sociedade empresária).
Obviamente, a atuação das sociedades empresárias no mercado, hoje, é muito mais relevante do que a atuação dos empresários individuais. Estes, não raro, se dedicam a pequeníssimos empreendimentos, cabendo às sociedades empresárias, em contrapartida, os empreendimentos de médio e grande porte, além de muitos dos pequenos empreendimentos, também.
Ora, se nem sempre o exercente de atividade econômica é considerado empresário, haja vista a regra excludente do parágrafo único do art. 966 do Código Civil, isso nos leva à conclusão de que também nem sempre uma sociedade será empresária, haja vista a possibilidade de se constituírem sociedades cujo objeto social seja a exploração da atividade intelectual dos seus sócios. Essas sociedades, antes chamadas de sociedades civis, são denominadas pelo atual Código Civil de sociedades simples.
O Código Civil estabelece, em seu art. 982, que “salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais”. Isso mostra que o que define uma sociedade como empresária ou simples é o seu objeto social. Há apenas duas exceções a essa regra, contidas no seu parágrafo único, o qual prevê que “independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa”.
Diante do exposto, resta claro que as chamadas sociedades uniprofissionais – sociedades formadas por profissionais intelectuais cujo objeto social é a exploração da respectiva profissão intelectual dos seus sócios – são, em regra, sociedades simples, uma vez que nelas faltará, não raro, o requisito da organização dos fatores de produção, da mesma forma que ocorre com os profissionais intelectuais que exercem individualmente suas atividades.
O Código Civil não faz menção expressa, mas a Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil) versa, em seus arts. 15 a 17, sobre a sociedade de advogados, dispondo que ela é uma “sociedade civil de prestação de serviço de advocacia” submetida à regulação específica prevista na referida lei.
Diante disso, afirma-se que a sociedade de advogados é uma sociedade de natureza civil – simples, na dicção do novo Código Civil de 2002 – e organizada sob a forma de sociedade em nome coletivo, ou seja, respondem todos os sócios de maneira solidária e ilimitada pelas obrigações sociais.
Ora, se aplicarmos à risca a regra do art. 966, parágrafo único, do Código Civil de 2002 às sociedades de advogados, forçoso seriar reconhecer que os escritórios de advocacia com estrutura complexa – muito comuns hoje em dia, diga-se – deixam de ser sociedades simples para se tornarem sociedades empresárias, já que neles é fácil perceber a presença do chamado elemento de empresa (organização dos fatores de produção), além de a prestação dos serviços se tornar altamente “impessoalizada”. Afinal, qual seria a diferença deles para grandes hospitais dirigidos por médicos ou grandes escolas dirigidas por professores.
Assim, entendemos que as regras dos arts. 15 a 17 da Lei 8.906/1994 configuram uma clara exceção à regra do art. 966, parágrafo único, do Código Civil. Tais regras continuam em vigor, mesmo após a edição do Código, que é lei posterior, em razão da sua especialidade. Mas é de se pensar se não caberia ao legislador reformar a lei para adaptá-la aos ditames do novo Código.
O Código Civil também se preocupou em dar um tratamento especial ao exercício de atividade econômica rural, excluindo aqueles que se dedicam a tal atividade da obrigatoriedade de registro na Junta Comercial, prevista no art. 967 do Código.
Todo empresário, antes de iniciar o exercício da atividade empresarial, tem que se registrar na Junta Comercial, seja empresário individual ou sociedade empresária. Para aqueles que exercem atividade econômica rural, todavia, o Código Civil concedeu a faculdade de se registrar ou não perante a Junta Comercial da sua unidade federativa.
Assim sendo, se aquele que exerce atividade econômica rural não se registrar na Junta Comercial, não será considerado empresário, para os efeitos legais (por exemplo, não se submeterá ao regime jurídico da Lei 11.101/2005, que trata da falência e da recuperação judicial e extrajudicial). Em contrapartida, se ele optar por se registrar, será considerado empresário para todos os efeitos legais. Esta regra está contida no art. 971 do Código Civil: “o empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos efeitos, ao empresário sujeito a registro”.
Conclui-se, pois, que, para o exercente de atividade econômica rural, o registro na Junta Comercial tem natureza constitutiva, e não meramente declaratória, como de ordinário. Com efeito, o registro não é requisito para que alguém seja considerado empresário, mas apenas uma obrigação legal imposta aos praticantes de atividade econômica. Quanto ao exercente de atividade rural, essa regra é excepcionada, sendo o registro na Junta, pois, condição indispensável para sua caracterização como empresário e consequente submissão ao regime jurídico empresarial.
Por fim, ressalte-se que regra idêntica foi prevista para a sociedade que tem por objeto social a exploração de atividade econômica rural. Dispõe o Código Civil, em seu art. 984, que “a sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do seu art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, casos em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária”.
Conforme já mencionado acima, em princípio, uma sociedade será considerada empresária se preencher os requisitos do art. 966 do Código Civil, ou seja, se exercer, profissionalmente, uma atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Caso não preencha os requisitos da norma mencionada, estar-se-á diante de uma sociedade simples. É o que se extrai da leitura do art. 982 do Código Civil.
É o objeto explorado pela sociedade, por conseguinte, que define a sua natureza empresarial ou não. Assim, se uma sociedade explora atividade empresarial, será considerada uma sociedade empresária, registrando-se na Junta Comercial e submetendo-se ao regime jurídico empresarial. Se, todavia, uma sociedade não explora atividade empresarial, será considerada uma sociedade simples – terminologia adotada pelo novo Código Civil, em substituição à expressão sociedade civil do regime anterior – registrando-se no cartório de registro civil de pessoas jurídicas.
Note-se, todavia, que, no início do próprio dispositivo acima transcrito, faz-se uma ressalva, deixando-se claro, portanto, que em algumas situações não se deve recorrer ao critério material do art. 966 do Código Civil para definir se determinada sociedade é empresária ou não. É o que ocorre, por exemplo, com as cooperativas.
Para saber se uma sociedade cooperativa é empresária, não se utiliza o critério material previsto no art. 966 do CC, mas um critério legal, estabelecido no art, 982, parágrafo único, o qual dispõe que “independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa”.
O legislador, por opção política, determinou que a cooperativa é sempre uma sociedade simples, pouco importando se ela exerce uma atividade empresarial de forma organizada e com intuito de lucro.



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