Donos de chácaras do denominado “Recanto das Cachoeiras”, que fica na estância ecológica do município de Juquitiba (SP), moveram ação contra o atual proprietário de uma das unidades do complexo – onde há uma cachoeira, um riacho e parte de uma estrada aberta para acesso à cachoeira.
Com a ação, eles pretendiam a liberação da área, que abrange a cachoeira, para uso comum. Até a data da venda da propriedade, os autores utilizavam livremente o espaço para banho e lazer.
Uso comum
Os autores sustentaram na ação que as chácaras fazem parte de um conjunto, contando com áreas de lazer, churrasqueiras, trilhas, lagos e quiosques, “num verdadeiro bosque de uso comum de todos, conforme trato verbal do representante da mandatária do proprietário, por ocasião das aquisições daquelas unidades”.
Alegaram que o novo proprietário de uma das chácaras havia fechado toda a extensão da cachoeira com balaústres de concreto armado e fios de arame farpado, impedindo, segundo eles, a passagem que leva à cachoeira.
Requereram a concessão de liminar para “a imediata desobstrução do acesso, mantendo-se assim a servidão de passagem existente, com a consequente utilização da área de lazer”. No mérito, pediram a manutenção da servidão de passagem e a condenação do vizinho por perdas e danos.
O juízo de primeiro grau julgou o pedido improcedente, dando razão ao dono da área privada. Para o magistrado, havia comprovação de que os autores tiveram acesso ao local por mera liberalidade ou tolerância do antigo proprietário.
Escoteiros
Na apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu provimento ao recurso, fundamentando que havia prova técnica de que, até ter sido cercada, a cachoeira era de uso comum, servindo de lazer para todos os condôminos e, ainda, para grupos de escoteiros.
Diante desse julgamento, o proprietário da área recorreu ao STJ, sustentando que a decisão de segundo grau promoveu “verdadeira desapropriação por interesse público, instituindo dentro da propriedade particular uma área pública de lazer”.
Alegou que a servidão só pode ser estabelecida com registro imobiliário de seu ato constitutivo, não sendo presumida. Além disso, em seu entendimento, a decisão do tribunal deu permissão para que pessoas indeterminadas frequentem o local privado, para fins de lazer.
Ao analisar o caso, o ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso especial, explicou que a servidão de passagem, também denominada servidão de trânsito, “constitui espécie do gênero servidão predial e, como toda servidão, é um direito real, constituindo uma restrição voluntária ao direito de propriedade”.
Além disso, “destina-se a servir de passagem para outro imóvel distinto dotado de utilidade para o prédio dominante ou para a via pública”.
O relator explicou ainda que, de acordo com o artigo 696 do Código Civil, a servidão não se presume, mas pode ser constituída por ato voluntário das partes interessadas em sua instituição. Para tanto, é necessário o registro no cartório.
Necessidade de trânsito
Entre outros fatos apurados no processo pelas instâncias ordinárias, o ministro anotou que a área da cachoeira não foi vendida pelo loteador, durante alguns anos. No entanto, diante de necessidades financeiras, ele decidiu vender a área e, inicialmente, ofereceu-a aos proprietários das demais chácaras, os quais não se interessaram.
Assim, a venda foi feita a terceiro, que decidiu fechar o acesso à cachoeira. Também ficou demonstrado que a área em discussão não foi gravada oficialmente como de uso comum.
Villas Bôas Cueva ressaltou que a servidão de passagem existe em função da necessidade/utilidade de trânsito, de acesso. Analisando o caso, concluiu que os autores da ação não pretendem assegurar saída à via pública ou acesso a bem de uso comum.
“Buscam, isso sim, o direito de permanecer na fruição de bem particular alienado a terceira pessoa, cujo gozo lhes foi permitido por tolerância do antigo proprietário mediante trato verbal com o seu representante, por ocasião da aquisição das suas glebas”, afirmou o ministro.
Para o relator, acolher a tese do TJSP, segundo a qual só não haveria servidão de passagem se o local de destino, público ou privado, não tivesse nenhuma serventia, significaria interpretar o instituto de forma equivocada, indo de encontro aos preceitos legais e às recomendações doutrinárias.
REsp 316045
Fonte: STJ
Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
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