Portadora de leucemia deve receber medicamento do governo gaúcho e do município de Igrejinha (RS)
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, manteve decisão do juiz da comarca local e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), que obrigou os governos estadual e municipal a fornecer o medicamento Glivec 400mg para uma portadora de leucemia mielóide crônica. O município de Igrejinha (RS) havia recorrido ao STF pedindo a suspensão da decisão.
Consta nos autos que a decisão do juiz de 1ª instância se baseou no fato de a paciente ter comprovado não possuir condições de arcar com o tratamento, e com a falta do remédio no município. Como o tribunal estadual manteve a decisão, o governo municipal recorreu ao Supremo, alegando lesão à ordem e à economia públicas e violação ao princípio da separação de poderes.
O juiz determinou o fornecimento do medicamento com fundamento na aplicação imediata do direito fundamental social à saúde, frisou o ministro Gilmar Mendes ao negar o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada (STA 268). A decisão do juiz segue as normas constitucionais que fixaram a competência comum da União, dos estados e dos municípios para cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência (artigo 23, II, da Constituição Federal), explicou Gilmar Mendes.
Dessa forma, prosseguiu o ministro, "não configura lesão à ordem pública a determinação para que o município de Igrejinha arque, juntamente com o estado do Rio Grande do Sul, com as despesas do tratamento requerido".
A alegação de violação à separação dos Poderes não justifica a inércia do Poder Executivo em cumprir seu dever constitucional de garantia do direito à saúde de todos, previsto no artigo 196 da Constituição, disse também o ministro.
Assim, lembrando que o medicamento consta da lista de medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e que existe nos autos laudo comprovando que a paciente necessita com urgência de altas doses do medicamento Glivec 400mg, que ela não possui condições de comprar, Gilmar Mendes negou o pedido de suspensão, mantendo a obrigação do município e do estado de fornecerem o medicamento.
1 - DO PROCESSO
Trata-se de processo em que a autora, assistida pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, pleiteia o fornecimento de medicamento pelo Município de Igrejinha, no RS.
Alega a autora que possui leucemia mielóide crônica, e necessita do medicamento Glivec 400mg com urgência, conforme laudo juntado aos autos.
No entanto, não possui condições financeiras para arcar com o tratamento. Além disso, tal medicamento consta da lista do Sistema Único de Saúde, mas estava indisponível no posto do SUS do Município.
Desse modo, o juízo de 1° grau concedeu tutela antecipada, determinando que o Município fornecesse o medicamento à autora.
Inconformado com a decisão, o Município apresentou pedido de suspensão da tutela antecipada, alegando ofensa à ordem e economia pública, violação ao princípio da separação de poderes e da legalidade orçamentária, bem como risco de prejuízo caso a decisão se multiplicasse.
Tanto o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, quanto o Supremo Tribunal Federal mantiveram a decisão de 1° grau.
2 - DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DA DECISÃO
O incidente de suspensão de execução de liminar ou sentença tem previsão na Lei 8437/92, artigo 4° e na súmula 626 STF :
STF Súm. 626: "A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo supremo tribunal federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração."
Lei 8437/92, Art. 4°: "Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas."
Trata-se de um incidente processual que tem por finalidade a proteção dos seguintes bens jurídicos: ordem, saúde, segurança e economia pública. Por não possuir natureza recursal, não se admite a discussão do mérito, mas tão somente a análise de eventual risco de dano que a execução da decisão proferida poderia acarretar.
No caso em comento, o Ministro Gilmar Mendes entendeu não estarem configuradas nenhuma das hipóteses aptas a ensejar a adoção de da medida excepcional de suspensão da tutela antecipada concedida. Ressalta ainda, que a suspensão da medida acarretaria risco de grave dano irreparável à autora.
3 -A JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
A escolha de políticas públicas é atribuição do Poder Executivo, por meio de um juízo de conveniência e oportunidade, que leva em conta as necessidades prioritárias da população e os recursos orçamentários.
Porém, não viola a separação dos poderes a interferência do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas que visam a efetivar direitos fundamentais. Vejamos.
Primeiro, porque o judiciário, entre suas atribuições constitucionais, tem o dever de proteger os direitos fundamentais tanto no aspecto negativo (não violação) quanto no aspecto positivo (efetiva prestação).
Segundo, porque cada poder (função) do Estado tem a atribuição de controlar uns aos outros, conforme o princípio da harmonização dos poderes (artigo 2°, CF) e a teoria dos freios e contrapesos.
Por fim, porque é entendimento pacífico no STF que o judiciário tem legitimidade para controlar e intervir nas políticas públicas que visem a garantir o mínimo existencial:
ADPF 45/DF: "Ementa: arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do poder judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao supremo tribunal federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Carácter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da 'reserva do possível'. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do 'mínimo existencial'. Viabilidade instrumental da argüição de Descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração)."
Além disso, não se pode subtrair do cidadão o direito constitucional de acesso ao judiciário quando este se sentir ameaçado ou lesado, conforme o princípio da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5°, XXXV, CF), que ganha ainda mais força quando se trata da proteção de direitos fundamentais.
Por fim, conforme os ensinamentos do professor Pedro Taques (em aula ministrada na rede LGF, curso intensivo III, no dia 22 de outubro de 2008), o Estado não pode alegar a reserva do possível como justificativa de não implementar políticas públicas que visam a garantir o mínimo existencial. Nestes casos, o judiciário poderá interferir no ato administrativo, principalmente porque se trata de garantir os fins do Estado (artigo 3, CF), de modo que impedi-lo seria inviabilizar a vontade do próprio constituinte.
"CF, Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."
A efetivação do direito social fundamental à saúde é indispensável para a garantia do direito à vida, bem como para a concretização do princípio basilar da dignidade da pessoa humana e para a construção de uma sociedade justa e igualitária.
Fonte: www.stf.gov.br