Imunidade do advogado
Direitos e Deveres

Imunidade do advogado



HC. ADVOGADO. IMUNIDADE.

Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário impetrado pela OAB em favor de advogada, ora paciente, inscrita em seus quadros que fora denunciada pela prática, em tese, das condutas tipificadas nos arts. 138 (duas vezes) e 140, ambos c/c 141, II, e 331, todos do CP, em virtude de ter adentrado a sala de audiência, presidida por magistrado, com trabalhos ainda em curso referentes a outro processo do qual a paciente não era advogada regularmente constituída. Interrompeu a referida audiência, jogou petição sobre a mesa do juiz e lhe exigiu despacho imediato. Diante da recusa do magistrado, atribuiu a ele a prática do crime de prevaricação e abuso de autoridade. Alega a impetrante, em síntese, carência de justa causa para a ação penal, aduzindo, para tanto, que as condutas imputadas à paciente são atípicas, pois se deram no exercício legal da advocacia e, ainda, por estarem acobertadas pela imunidade constitucional assegurada aos advogados no propósito de defesa de seus constituintes. Nesse contexto, a Turma concedeu, parcialmente, a ordem para trancar a ação penal tão-somente quanto ao crime de calúnia (por suposta imputação falsa do delito de prevaricação), sob argumento de não ter havido, in casu, imputação concreta da prática de prevaricação pelo magistrado, visto que a paciente, ao descrever os fatos, não declinou, como determina o tipo do art. 319 do CP, quais seriam os interesses ou sentimentos pessoais que o magistrado buscaria satisfazer com sua ação. Ex officio, reconheceu a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva estatal quanto às imputações de injúria e desacato, em razão de a pena prevista em abstrato para ambas as condutas não ultrapassar o patamar de dois anos. Tendo em vista que o último marco interruptivo da prescrição (o recebimento da denúncia) ocorreu em 19/2/2004, verifica-se o lapso temporal superior a quatro anos, nos termos do art. 107, IV, c/c o art. 109, V, ambos do CP. Ressaltou-se que, quanto ao crime de calúnia com substrato em abuso de autoridade, o fato imputado ao magistrado não consiste tão-somente em ter recusado despacho à petição, mas sim tê-lo feito abusando de sua autoridade, constituindo, assim, a elementar da falsidade, imputação descrita na denúncia, não merecendo acolhimento a alegação de atipicidade objetiva e subjetiva da conduta. Precedentes citados do STF: HC 81.517-SP, DJ 14/6/2002; HC 69.085-RJ, DJ 26/3/1993; do STJ: HC 20.648-AM, DJ 24/3/2003; RHC 9.847-BA, DJ 27/8/2001; RHC 9.778-RJ, DJ 5/2/2001, e RHC 9.277-PB, DJ 4/9/2000. HC 71.407-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 2/10/2008.

COMENTÁRIO

É preciso, inicialmente, compreender o contexto no qual foi proferida a decisão. Os crimes imputados à advogada, paciente do writ impetrado, foram os seguintes:

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: II - contra funcionário público, em razão de suas funções;

Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Com essa elaboração, passa-se ao entendimento da decisão do STJ.

A extinção da punibilidade pode ser definida como a perda do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo. No caso, foi reconhecida, em relação ao crime de injúria e de desacato, com base no artigo 107, IV do CP (que afirma que uma das formas de extinção da punibilidade é a prescrição), combinada com o artigo 109, V do CP (que traz o lapso para que a prescrição ocorra no crime em questão). É matéria de ordem pública e, por isso, pôde ser declarada de ofício. E, assim como preceitua o artigo 117, I do CP, a última interrupção do prazo prescricional se deu com o recebimento da denúncia. É importante recordar que a interrupção do prazo o faz recomeçar a correr por inteiro.

Quanto ao crime de calúnia, impende ressaltar que houve duas tipificações: uma fulcrada no delito de prevaricação e outra no delito de abuso de autoridade. No primeiro, a Turma compreendeu que não houve imputação concreta da prática de prevaricação, como exige o artigo 319 do CP, tendo em vista que a paciente não descreveu quais interesses ou sentimentos pessoais queria alcançar o magistrado. Veja-se a literalidade da lei:

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. (grifo nosso)

Já no segundo, o fato imputado ao juiz foi a recusa de despachar a petição por abuso de autoridade, o que preenche a elementar do tipo, não sendo possível reconhecer a atipicidade objetiva e subjetiva da conduta. Sobre tipicidade objetiva e subjetiva, explica-se com excertos de lições de Luiz Flávio Gomes:

A tipicidade penal (sendo um conceito muito mais amplo e abrangente que o de tipicidade legal, como vimos), de acordo com a teoria constitucionalista do delito que estamos adotando, compreende três dimensões:

(a) a formal-objetiva (ou fática/legal ou lingüística), que envolve a conduta (mais o sujeito ativo dela, o sujeito passivo, o objeto material, seus pressupostos), o resultado naturalístico (nos crimes materiais), o nexo de causalidade (entre a conduta e o resultado naturalístico), as exigências temporais, espaciais, modo de execução da conduta etc., assim como a adequação do fato à letra da lei;

(b) a material (ou normativa), que exige três juízos valorativos distintos: 1º) juízo de desaprovação da conduta (criação ou incremento de riscos proibidos relevantes); 2º) juízo de desaprovação do resultado jurídico (ofensa desvaliosa ao bem jurídico ou desvalor do resultado, que significa lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico) e 3º) juízo de imputação objetiva do resultado (o resultado deve ter conexão direta com o risco criado ou incrementado - "nexo de imputação");

(c) a subjetiva (constatação do dolo e outros eventuais requisitos subjetivos especiais). (GOMES, Luiz Flávio. Tipicidade material e a tipicidade conglobante de Zaffaroni. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8450. Acesso em 09 outubro. 2008)

Sobre a imunidade do advogado, tese pela qual o writ foi impetrado, não houve comentários aprofundados no Informativo quando se falou na decisão proferida pelo STJ. Não houve, ainda, para esta redação, possibilidade de acesso ao feito, nem ao inteiro teor da decisão. Contudo, cabe trazer ao bojo do texto algumas considerações sobre o tema, ainda polêmico. Para tanto, foi imperioso colacionar duas ementas de acórdãos proferidos pelo STJ neste ano, que ilustram a existência da imunidade no exercício da advocacia. Porém, ressaltam que, como tudo no Direito, essa imunidade sofre limitações.

Direito civil e processual civil. Indenização por danos morais. Correição parcial. Ofensa a juiz. Imunidade profissional do advogado. Caráter não absoluto. Valor dos danos morais.

- A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo Estatuto da Advocacia, não é de caráter absoluto, não tolerando os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de quaisquer das pessoas envolvidas no processo, seja o Juiz, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da parte contrária. Precedentes.

- A indenização por dano moral dispensa a prática de crime, sendo bastante a demonstração do ato ilícito praticado.

- O advogado que, atuando de forma livre e independente, lesa terceiros no exercício de sua profissão responde diretamente pelos danos causados.

- O valor dos danos morais não deve ser fixado em valor ínfimo, mas em patamar que compense de forma adequada o lesado, proporcionando-lhe bem da vida que aquiete as dores na alma que lhe foram infligidas.

Recurso especial provido. Ônus sucumbenciais invertidos.

REsp 1022103 / RN

HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. ART. 89 DA LEI N.º 8.666/93. PROCURADORES FEDERAIS. SIMPLES EMISSÃO E APROVAÇÃO DE PARECER JURÍDICO OPINANDO PELA DISPENSA DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. IMUNIDADE DO ADVOGADO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE QUALQUER ELEMENTO INDICIÁRIO VÁLIDO. TRANCAMENTO.

1. Resta evidenciada a atipicidade da conduta, uma vez que os Pacientes não foram acusados da prática do ato tido por ilícito - contratação direta da empresa, em tese, indevida -, tampouco lhes foi atribuída eventual condição de partícipes do delito. De fato, foram denunciados apenas pela simples emissão e aprovação de parecer jurídico, sendo que essa atuação circunscreve-se à imunidade inerente ao exercício da profissão de advogado, a teor do disposto no art. 133 da Constituição Federal.

2. O regular exercício da ação penal - que já traz consigo uma agressão ao status dignitatis do acusado - exige um lastro probatório mínimo para subsidiar a acusação. Não basta mera afirmação de ter havido uma conduta criminosa. A denúncia deve, ainda, apontar elementos, mínimos que sejam, capazes de respaldar o início da persecução criminal, sob pena de subversão do dever estatal em inaceitável arbítrio. Faltando o requisito indiciário do fato alegadamente criminoso, falta justa causa para a ação penal. Precedentes do STJ e do STF.

3. Ordem concedida para trancar a ação penal em tela somente em relação aos ora Pacientes, tendo em vista a ausência de elementos probatórios mínimos, os quais, se e quando verificados, poderão subsidiar nova denúncia, nos termos do art. 43, parágrafo único, do Código de Processo Penal.

HC 46906 / DF


Informativo n. 370




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