MUDANÇAS NA LEI DO BEM DE FAMÍLIA
Direitos e Deveres

MUDANÇAS NA LEI DO BEM DE FAMÍLIA



Lei federal publicada ontem, sob o número 13.144, de 6 de julho de 2015, altera a Lei do Bem de Família (Lei 8.009, de 29 de março de 1990). 

A Lei do 8.009 define o bem de família legal. ?Legal? porque esse enquadramento (?bem de família?) decorre da definição feita em lei, ao contrário do bem de família voluntário, instituído por vontade dos particulares, na forma do Código Civil, arts. 1.711 e seguintes.

Pela lei 8.009, são bens de família o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar (art. 1º, caput), bem como a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados (art. 1º, parágrafo único). Há várias interpretações interessantes sobre essas definições, mas vamos deixá-las de lado aqui. Por ora nos basta o texto literal citado.

Esses bens são protegidos pela IMPENHORABILIDADE. Ou seja, caso seus titulares devam na praça, os credores, ao executarem o devedor, não obterão a penhora desses bens para futura excussão ? venda forçada, via judiciário. A filosofia da coisa é garantir ao devedor o chamado ?mínimo existencial? ? se eu devo na praça, meu credor pode tomar meu patrimônio, mas não tudo; não pode me deixar sem casa para morar, por exemplo... Repito, essa é a idéia geral, que comporta ponderações, mitigações, exceções.

A própria Lei 8.009 criou exceções à impenhorabilidade. Situações em que, portanto, o credor conseguirá a penhora mesmo sobre aqueles bens ?impenhoráveis?. A lei tem várias exceções, mas a lista em destaque está no art. 3º.

Uma dessas exceções é a execução por dívida de pensão alimentícia (art. 3º, III). Ou seja, se eu estou cobrando alimentos que deveriam ter sido pagos e não foram, caso meu devedor seja proprietário de casa que usa para fins de moradia, eu poderei penhorá-la ? a despeito de ser ela bem de família.

A mudança promovida pela nova lei veio esclarecer o óbvio: dizer que o bem de família é penhorável se a dívida cobrada for pensão alimentícia, PORÉM haverá de ser respeitado o direito do outro dono (caso exista, óbvio!), se ele não for também devedor da pensão cobrada. Nos próprios termos da lei, ficamos com a seguinte redação: a impenhorabilidade não se aplica se a dívida for pensão alimentícia, ?resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida?.

Na prática, o que se tem é que um determinado bem pode ter mais de um dono por força do casamento ou união estável. Então, os direitos desse outro dono devem ser respeitados. Óbvio. A jurisprudência já seguia esse entendimento, porque decorre diretamente do sistema civil. À guisa de exemplo, citamos julgado do STJ (destacando apenas os tópicos pertinentes ? referência abaixo):
2- Controvérsia que se cinge em definir se a metade ideal do imóvel que serve de residência aos recorrentes, doado por seu genitor, se submete aos efeitos da falência.
5- A despeito da viabilidade de se impor restrições à proteção conferida ao bem de família em hipóteses nas quais se constata a ocorrência de fraude,é certo que os débitos imputados a um dos cônjuges somente tem força para afastar a proteção legal quando, além de a dívida correlata figurar no rol das exceções legais à regra da impenhorabilidade, com ela haja anuído o consorte ou, ainda, tenha ela sido realizada em prol do grupo familiar, circunstâncias não verificadas no particular.
6- A proteção instituída pela Lei 8.009/1990, quando reconhecida sobre metade de imóvel relativa à meação, deve ser estendida a totalidade do bem. A lei objetiva tutelar a entidade familiar como um todo, evitando o desaparecimento material do lar que abriga seus integrantes, e não apenas a pessoa do devedor.
(REsp 1405191/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 25/06/2014)

Em Brasília, nosso TJDFT vem acompanhando esse entendimento. Citamos como exemplo o seguinte julgado (destacando apenas os tópicos pertinentes ? referência abaixo):
2. O art. 1º, da Lei 8.009/90 dispõe que o imóvel residencial próprio da entidade familiar, goza de proteção, não podendo ser penhorado por toda e qualquer dívida. 1.1. O imóvel utilizado pelas recorrentes e sua família para moradia permanente, está amparado pela impenhorabilidade da Lei 8.009/90.
(Acórdão n.822426, 20120111399613APC, Relator: JOÃO EGMONT, Revisor: LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 24/09/2014, Publicado no DJE: 30/09/2014. Pág.: 136)

Todavia, nosso legislador segue a cultura analítica ao extremo, advinda do sistema romano-germânico. Assim, considerou necessário escrever o que já se podia ler nas entrelinhas.
Então, em síntese, temos o seguinte:
1.      O que responde por nossas obrigações são nossos bens (nosso patrimônio);
2.      Se a obrigação não é voluntariamente satisfeita pelo devedor, o credor pode buscar no Judiciário a cobrança forçada;
3.      A cobrança forçada se dá por meio de invasão do Estado no patrimônio do devedor;
4.      A lei cria algumas figuras excepcionais, dizendo que certos bens não podem ser alcançados para pagamento forçado de dívidas (idéia do patrimônio mínimo, ou mínimo existencial - sobre isso escreveu o professor, hoje Ministro, Fachin);
5.      Uma dessas exceções é a figura da impenhorabilidade sobre o bem de família, instituída pela Lei 8.009, de 1990;
6.      A própria Lei 8.009 comporta exceções à exceção, ou seja, certos casos de dívidas que permitem a penhora mesmo sobre o bem de família;
7.      Um desses casos é a dívida por pensão alimentícia;
8.      Com a reforma legislativa (Lei 13.144), o legislador esclareceu que se o bem de família tiver mais de um proprietário, sendo apenas um deles devedor de alimentos, a impenhorabilidade continuará sendo aplicada, para proteger aquele que não é o devedor.

PORÉM, UMA QUESTÃO INTERESSANTE é que o legislador modificou a redação mas deixou expressa apenas a situação em que este outro proprietário (não devedor) é dono a partir do regime de bens do casamento. Entretanto, outras situações de parcerias econômicas merecem exatamente o mesmo tratamento.

Ou seja, se João é casado com Maria e pelo regime de bens eles são coproprietários de um imóvel em que residem (bem de família), caso Maria tenha um filho fruto de um casamento anterior (filho só de Maria, não de João) e ele lhe cobre pensão alimentícia em atraso, não será obtida a penhora do imóvel, haja vista a proteção dada à parte de João.

Ocorre que a mesmíssima solução deveria ser dada se João e Maria não fossem casados, mas, por exemplo, irmãos e co-herdeiros do bem. Ou amigos e parceiros de negócios que, juntos, compraram o mesmo bem. Entretanto, a lei não expressou isso dessa forma, criando uma lacuna legislativa a ser preenchida pela doutrina e pela jurisprudência.

OUTRA QUESTÃO INTERESSANTE é que, teoricamente, seguindo o sistema jurídico, eu não poderei penhorar o bem como um todo, mas posso (pensando teoricamente, repito) penhorar a quota parte do devedor.

Isso é interessante porque, pelo sistema jurídico civil, embora exista todo um regramento a ser observado (sobretudo arts. 1.314 e seguintes do Código Civil), a quota parte do direito de propriedade sobre bem indivisível pode ser negociada e, eventualmente, um condômino poderá forçar a alienação da coisa para exercer seu direito de desfazer o condomínio (arts. 1.320 a 1.322 do Código Civil). Então, seguindo no raciocínio acima, temos que:
9.      Nas situações analisadas (item 8 acima), eu não posso penhorar o BEM, mas poderei (penso eu!) PENHORAR A QUOTA do devedor sobre o bem;
10.  Com isso teremos a venda da quota a terceiros, ou eventualmente a adjudicação da quota ao próprio credor dos alimentos (nada mais justo, me parece...);
11.  Esse novo dono da quota poderá, pelo sistema dos arts. 1.320 a 1.322 do Código Civil, forçar o desfazimento do condomínio (de novo, nada mais justo...).

Penso ser isso que a teoria indica. Aguardemos.



loading...

- Stj - Stj Amplia O Conceito De Entidade Familiar Para Proteção De Bem De Família - Stj
27/05/2013 - 08h03 DECISÃO STJ amplia o conceito de entidade familiar para proteção de bem de família A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou possível que a impenhorabilidade do bem de família...

- Lei 8.009/90. Impenhorabilidade Do Bem De FamÍlia: A Impenhorabilidade Garante Mínimo De Patrimônio Ao Devedor, Para Sua Subsistência.
É esta a interpretação do STJ ao julgar a penhora de imóvel locado ou quando o devedor possui mais de uma residência.Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo...

- Penhora E Bem De FamÍlia
Penhora de imóvel para a garantia de empréstimo feito pelo estabelecimento em que um dos cônjuges é sócio. A Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Quando um casal ou entidade familiar tiver...

- Julgado Stj - Bem De Família - Impenhorabilidade
A NOTÍCIA:A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vetou a penhora de um imóvel dado como garantia de empréstimo em favor do filho da proprietária. Os ministros concluíram que, quando o imóvel caracterizado como bem de família é oferecido...

- Sua Casa Pode Ser Penhorada Para Pagar Dívida?
Com intento de garantir o mínimo da proteção dignidade da pessoa humana, entenderam os juristas que fazia parte dessa proteção a garantia mínima do patrimônio do individuo.Esse patrimônio protegido ganhou o nome de BEM DE FAMÍLIA. Lei 8.009/90...



Direitos e Deveres








.