Licitude da Gravação Ambiental Promovida por Interlocutor
É lícita a gravação ambiental de diálogo realizada por um de seus interlocutores. Esse foi o entendimento firmado pela maioria do Plenário em ação penal movida contra ex-Prefeito, atual Deputado Federal, e outra, pela suposta prática do delito de prevaricação (CP, art. 319) e de crime de responsabilidade (Decreto-Lei 201/67, art. 1º, XIV). Narrava a denúncia que os então Prefeito e Secretária Municipal de Transportes e Serviços Públicos de Município do Estado do Rio Grande do Sul, em conjunção de vontades e comunhão de esforços, teriam praticado ato de ofício contra disposição expressa do Código de Trânsito Brasileiro - CTB, consistente em determinar que os fiscais municipais de trânsito deixassem de autuar os veículos da Prefeitura, por qualquer infração de trânsito, e que não procedessem ao lançamento no sistema informatizado do DETRAN dos autos de infração, a fim de "satisfazer interesse pessoal (dos denunciados) em encobrir as infrações de trânsito de sua própria administração municipal". Também por votação majoritária, o Tribunal absolveu os denunciados. No que se refere ao delito de prevaricação, entendeu-se, por unanimidade, ausente o elemento subjetivo do tipo, haja vista que a instrução criminal não evidenciara o especial fim de agir a que os denunciados supostamente teriam cedido. Quanto ao crime de responsabilidade, considerou-se, por maioria, tendo em conta a gravação ambiental e depoimentos constantes dos autos, inexistir robusta comprovação da conduta típica imputada ao ex-Prefeito, sujeito ativo do delito, não sendo possível, tratando-se de crime de mão própria, incriminar, por conseguinte, a conduta da então Secretária Municipal. Asseverou-se que a gravação ambiental, feita por um dos fiscais municipais de trânsito, de uma reunião realizada com a ex-Secretária Municipal, seria prova extremamente deficiente, porque cheia de imprecisões, e que, dos depoimentos colhidos pelas testemunhas, não se poderia extrair a certeza de ter havido ordem de descumprimento do CTB por parte do ex-Prefeito. Vencidos, quanto a esse ponto, os Ministros Joaquim Barbosa, revisor, Eros Grau, Cezar Peluso e Marco Aurélio, que condenavam os dois denunciados pelo crime de responsabilidade. Vencidos, no que tange à licitude da gravação ambiental, os Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio, que a reputavam ilícita. AP 447/RS, rel. Min. Carlos Britto, 18.2.2009. (AP-447)
Trata-se de Ação Penal, na qual foi abordado o tema sobre a licitude da gravação ambiental. Mas, antes de adentrarmos na discussão sobre a licitude, convém compreender que gravação ambiental clandestina é aquela em que há apenas os interlocutores e a captação é feita por um deles sem o conhecimento da outra parte.
Com relação às demais formas de gravação e captação de sons o Prof. Luiz Flávio Gomes, no livro intitulado "Interceptação Telefônica", assim classifica:
a) Interceptação telefônica ou interceptação em sentido estrito: captação da comunicação telefônica alheia por um terceiro, sem o conhecimento de nenhum dos comunicadores;
b) Escuta telefônica: captação de comunicação telefônica por terceiro, com o conhecimento de um dos comunicadores, e, desconhecimento do outro. Um dos comunicadores tem ciência da interferência alheia;
c) Gravação telefônica ou gravação clandestina: gravação da comunicação telefônica realizada por um dos interlocutores. Trata-se de espécie de auto-gravação, que, normalmente é feita por um dos comunicadores, sem o conhecimento e consentimento do outro;
d) Interceptação ambiental: captação de uma comunicação no próprio ambiente, por um terceiro, sem a ciência dos comunicadores.
e) Escuta ambiental: captação de uma comunicação, no ambiente dela, realizada por terceiro, com o conhecimento de um dos comunicadores;
A gravação telefônica tem sido admitida pela Suprema Corte como legítima desde que atendidas algumas exigências, tais como ser gravação de comunicação própria e não alheia, estar em jogo relevantes interesses e direitos da vítima como, por exemplo, nos crimes de extorsão. Assim, presentes essas circunstâncias a prova é aceita como válida.
Seguindo essa linha de raciocínio o Professor Luiz Flávio Gomes entende que "A tendência lógica seria o STF admitir a gravação ambiental clandestina com as mesmas restrições e cautelas. Admitir a gravação ambiental clandestina (gravação de sons que são emitidos num determinado ambiente) como meio lícito de prova, de maneira ampla, significa eliminar nossa privacidade (ou seja, proscrever um dos mais importantes direitos fundamentais). Mas nenhuma restrição a direito fundamental pode afetar o seu núcleo essencial". E conclui afirmando que "a gravação ambiental (...) sem autorização judicial prévia, só pode valer como prova em casos excepcionalíssimos e desde que envolva interesses e direitos de quem fez a gravação. Fora disso, é manifesta a inconstitucionalidade da prova".
No caso em tela, por maioria de votos, o Pleno admitiu como lícita a gravação ambiental, a qual só não foi utilizada para incriminar o ex-prefeito, por que era uma gravação extremamente deficiente e cheia de imprecisões, o que não permitiu comprovar a conduta típica imputada.
Fonte: Informativo 536