"A Turma reafirmou a orientação desta Corte no sentido de que a prisão do agente ocorrida logo após a subtração da coisa furtada, ainda que sob a vigilância da vítima ou de terceira pessoa, não descaracteriza a consumação do crime de roubo. (1) Por conseguinte, em conclusão de julgamento, indeferiu, por maioria, habeas corpus no qual se pretendia a tipificação da conduta do paciente na modalidade tentada do crime de roubo, ao argumento de que o delito não se consumara, haja vista que ele, logo após a subtração dos objetos da vítima, fora perseguido por policial e vigilante que presenciaram a cena criminosa e o prenderam em flagrante, recuperando os pertences ? v. Informativo 517. (2) Reputou-se evidenciado, na espécie, roubo frustrado, pois todos os elementos do tipo se consumaram com a inversão da posse da res furtiva. (3) Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que concedia a ordem para restabelecer o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por reconhecer a hipótese de tentativa, reduzira a pena aplicada ao paciente. (4) HC 92.450-DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 16.9.2008".
Comentários:
(1) Totalmente equivocada (com a devida vênia) essa decisão do STF (Primeira Turma). O fundo ideológico punitivista (ideologia do inimigo, que constitui a base do Direito penal do inimigo) está mais do que evidente. Confundiu-se crime material com crime formal, consumação formal com consumação material, crime de lesão com crime de perigo. Conceitos dogmáticos (técnico-jurídicos) elementares foram menosprezados na decisão.
Em virtude do preconceito ideológico, resultaram atropelados conceitos essenciais do Direito penal. A ideologia (do inimigo) gera, muitas vezes, verdadeiro eclipse da ciência (penal), numa espécie de obscuridade voluntária, resultante da distorção de conceitos. O pior cego, também quando se trata do poder punitivo do Estado, é o que não quer enxergar. Sabe que tecnicamente está errado, mas não tem predisposição para superar seus prejuízos (pré-juízos) ideológicos.
(2) Quando se consuma o delito de roubo (próprio)? Ora, cuidando de delito material (que exige resultado naturalístico para a consumação), parece evidente afirmar que o roubo próprio consuma-se no momento em que ocorre a lesão patrimonial. Não se trata de crime de perigo (que se consumaria com o simples desvalor da conduta dotada de periculosidade para o bem jurídico). Não se trata de crime formal (que também se consumaria com o simples desvalor da conduta).
Não se pode nunca confundir o roubo (CP, art. 157) com a extorsão (CP, art. 158). Sob o enfoque naturalístico a extorsão é crime formal (não necessita de resultado naturalístico para se consumar). Sob o enfoque jurídico a extorsão é um crime de perigo (não se exige lesão do bem jurídico patrimonial, basta seu efetivo risco). O roubo (distintamente) é crime material (exige resultado naturalístico para se consumar) e de lesão (exige lesão efetiva ao bem jurídico patrimônio).
Conclusão: sem a efetiva (real, concreta e comprovada) lesão patrimonial não há que se falar em roubo (próprio) consumado, que exige desvalor da conduta (conduta perigosa para o bem jurídico) mais desvalor do resultado (lesão patrimonial efetiva). Enquanto o agente não tem a posse tranqüila da coisa subtraída não há que se falar em consumação, porque ainda não se concretizou o desvalor do resultado (a lesão).
(3) O acórdão fala em "roubo frustrado", que se consumou (sic). Cuida-se de ato falho que bem explica o íntimo conflito entre o que o relator sabe e o que ele concluiu. Ele sabe que realmente houve um roubo frustrado, ou seja, tentado, mas concluiu pela consumação. A técnica briga, muitas vezes, com a ideologia. Por razões técnicas o caso descrito (subtração e imediata perseguição, sem ter havido posse tranqüila) constitui roubo tentado. Em virtude de diretrizes ideológicas concluiu-se pela consumação.
(4) Correto, assim, o posicionamento do Min. Marco Aurélio, que, embora vencido, traduzia a melhor doutrina bem como o ponto de vista técnico mais adequado. Pelo seu voto ele restabelecia a decisão do TJSP, que havia reconhecido o roubo tentado (acertadamente). Sem posse tranqüila (do bem subtraído) jamais se pode afirmar a consumação (material) do roubo, que exige lesão efetiva do bem jurídico tutelado pela norma penal.