Supremo a prática de estupro e atentado violento ao pudor não pode ser considerada continuidade delitva
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Supremo a prática de estupro e atentado violento ao pudor não pode ser considerada continuidade delitva


STF decide que autor de atentado violento ao pudor e estupro deve ter penas somadas
Por maioria de votos (6 a 4), o Supremo Tribunal Federal negou o pedido de Habeas Corpus (HC 86238), que pretendia a redução da pena de Francisco Eriberto de Souza. Ele foi condenado a 27 anos de prisão, em regime fechado, por atentado violento ao pudor e tentativa de estupro.
A Corte, por unanimidade, no entanto, permitiu a progressão do regime prisional, caso o juiz de Execução Penal assim considere. Todos os ministros acompanharam o relator da ação, ministro Cezar Peluso, para conceder a ordem de ofício. Contudo, com relação ao pedido de unificação da pena para crimes de natureza continuada, a partir do artigo 71 do Código Penal, os ministros divergiram.
Tese da continuidade
O ministro Cezar Peluso considerou em seu voto que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor têm a mesma espécie e possuem o mesmo objeto jurídico - relacionado à liberdade sexual da vítima.
Peluso reconheceu que no caso em julgamento houve a prática de crime continuado, em razão da proximidade dos fatos, uma vez que o condenado praticou o atentado violento ao pudor, para depois incorrer na tentativa de estupro. Os dois crimes estão tipificados nos artigos 214 e 213 do Código Penal, respectivamente.
Na avaliação do relator, "a identidade de natureza e não a de espécie dos crimes, como tem prevalecido, pode, a meu ver, conduzir a situações absurdas, como punir mais levemente dois atentados violentos ao pudor consumados, do que um estupro consumado e um atentado violento ao pudor tentado".
O ministro Eros Grau citou precedente da Segunda Turma para acompanhar o voto do relator. Na mesma linha votaram os ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes. O ministro Marco Aurélio frisou que ali não se estava a discutir a absolvição ou condenação do réu, com relação à pratica dos delitos, mas sim se houve a continuidade delitiva.
Para Marco Aurélio, o atentado violento ao pudor e o estupro são crimes contra os costumes e da mesma espécie, ocorrendo a continuidade delitiva, conforme prevista no Código Penal. "O artigo 71 [CP] é uma norma que visa beneficiar o agente, e não a prejudicá-lo", disse o ministro.
A divergência
Para o ministro Ricardo Lewandowski, que iniciou a divergência, "parece temerário entender que o atentado violento ao pudor se apresentado como prelúdio ao coito, seja considerado crime continuado".
O ministro afirmou que é preciso examinar caso a caso, para saber se a intenção do autor era a de praticar dois atos separadamente. Na avaliação do ministro, no caso o "paciente, de forma autônoma, desejou dois resultados diversos" [chamado concurso material].
Já a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha afirmou que os crimes em questão "são do mesmo gênero, mas não têm a mesma espécie" o que, segundo ela, afasta a continuidade dos delitos.
Os ministros Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie e Celso de Mello reafirmaram precedentes da Corte para acompanhar a divergência e negar o HC. Ayres Britto lembrou que o tema não está pacificado na Primeira Turma, no sentido de só reconhecer a continuidade quando as condutas não são autônomas.
NOTAS DA REDAÇÃO
A divergência vem se arrastando há tempos, sendo que nos mais variados tribunais nacionais encontra-se posições para todos entendimentos. Explica-se. A celeuma está em se afirmar que estupro e atentado violento ao pudor possam ser considerados crimes de mesma espécie, podendo dessa forma incidir as regras impostas pelo artigo 71 do Código Penal.
Tradicionalmente, entende-se que crimes da mesma espécie são os que encontram definição no mesmo tipo legal. Por outro lado, vem se defendendo que o que importa é a objetividade jurídica, ou seja, qual o objeto jurídico tutelado pelos crimes? É o mesmo? Se sim, trata-se de crimes de mesma espécie.
Frise-se que a questão tem relevância prática a partir do momento em que o criminoso, no mesmo desdobramento de condutas delituosas, decide praticar crimes que, embora de "espécies" diferentes, agridem o mesmo objeto jurídico. Trazendo a discussão para o caso em análise, o paciente do HC em comento, praticou na mesma linha de desdobramento um crime de atentado violento ao pudor, e um tentativa de estupro.
Veja-se, as condutas estão descritas, respectivamente nos artigos 214 e 213 do Código Penal, in verbis:
Estupro
Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça
Atentado violento ao pudor
Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal
E a descrição típica deixa clara a diferença entre os crimes, o crime de estupro só se consuma com a cópula vaginal, por isso é que somente a mulher pode ser sujeito passivo deste delito. O atentado violento ao pudor, pode, por outro lado, ser praticado de diversas formas que agridam a liberdade sexual da vítima e desde que não haja a conjunção carnal.
Por maioria de votos, ou seja, não se trata de posição unânime, o Supremo entendeu que não há continuidade delitiva na prática dos dois delitos na mesma seqüência de atos. Para a ministra Cármen Lúcia, a questão se resolve apenas pelo fato de que não se tratam de crimes da mesma espécie. Já o ministro Ricardo Lewandowski entende que a questão é analisar caso a caso e adequar a intenção do agente.
Legalmente, não há que se cogitar da aplicação de continuidade delitiva, pois a redação do artigo 71 do Código Penal, não dá margens a teses contrárias. Veja-se:
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Em sentido contrário, o entendimento de Luis Flávio Gomes: "é chegado o momento de alterar essa jurisprudência. O que importa no Direito penal, sobretudo, é o bem jurídico afetado. A norma existe para a tutela de um bem jurídico, que é critério orientativo e interpretativo. No estupro e no atentado violento ao pudor o bem jurídico é o mesmo: liberdade sexual. Logo, se os fatos são cometidos em sequência, da mesma maneira, forma de execução etc., não há como deixar de reconhecer o crime continuado".



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