Da Personalidade e da Capacidade
Direitos e Deveres

Da Personalidade e da Capacidade


O Código Civil de 2002 cuida, no Livro I da Parte Geral concernente às pessoas, em três títulos: i) das pessoas naturais, subdividindo-se nos temas da personalidade e da capacidade, dos direitos da personalidade e da ausência; ii) das pessoas jurídicas; iii) do domicílio.
O conceito de personalidade está umbilicalmente ligado ao de pessoa. Todo aquele que nasce com vida torna-se uma pessoa, ou seja, adquire personalidade. Esta é, portanto, qualidade ou atributo do ser humano. Pode ser definida como aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações ou deveres na ordem civil. É pressuposto para a inserção e atuação da pessoa na ordem jurídica. A personalidade é, portanto, o conceito básico da ordem jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos constitucionais de vida, liberdade e igualdade. Clóvis Beviláqua a define com “a aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrair obrigações”.
Nem sempre, porém, foi assim. No direito romano, o escravo era tratado como coisa. O reconhecimento, hoje, dessa qualidade a todo ser humano representa, pois, uma conquista da civilização jurídica. O Código Civil de 2002 reconhece os atributos da personalidade com esse sentido de universalidade ao proclamar, no art. 1º, que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.
O art. 1º do novo Código entrosa o conceito de capacidade com o de personalidade. Afirmar que o homem tem personalidade é o mesmo que dizer que ele tem capacidade para ser titular de direitos. Todavia, embora se interpenetrem, tais atributos não se confundem, uma vez que a capacidade pode sofrer limitação. “Enquanto a personalidade é um valor, a capacidade é a projeção desse valor que se traduz em um quantum. Pode ser mais ou menos capaz, mas não se pode ser mais ou menos pessoa”.
Costuma-se dizer que a capacidade é a medida da personalidade, pois, para alguns, ela é plena e, para outros, limitada. A que todos têm, e adquirem ao nascer com vida, é a capacidade de direito ou de gozo, também denominada capacidade de aquisição de direitos. Essa espécie de capacidade é reconhecida a todo ser humano, sem qualquer distinção. Estende-se aos privados de discernimento e aos infantes em geral, independentemente de seu grau de desenvolvimento mental. Podem estes, assim, herdar bens deixados por seus pais, receber doações, etc.
Personalidade e capacidade complementam-se: de nada valeria a personalidade sem a capacidade jurídica, que se ajusta assim ao conteúdo da personalidade, na mesma e certa medida em que a utilização do direito integra a ideia de ser alguém titular dele. Só não há capacidade de aquisição de direitos onde falta personalidade, como no caso do nascituro, por exemplo.
Nem todas as pessoas têm, contudo, a capacidade de fato, também denominada capacidade de exercício ou de ação, que é a aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil. Por faltarem a certas pessoas alguns requisitos materiais, como maioridade, saúde, desenvolvimento mental etc., a lei, com o intuito de protegê-las, malgrado não lhes negue a capacidade de adquirir direitos, sonega-lhes o de se autodeterminarem, de os exercer pessoal e diretamente, exigindo sempre a participação de outra pessoa, que as representa ou assiste. Assim, os recém-nascidos e os amentais possuem apenas a capacidade de direito, podendo, por exemplo, como já se afirmou, herdar. Mas não têm a capacidade de fato ou de exercício. Para propor qualquer ação em defesa da herança recebida, precisam ser representados pelos pais e curadores, respectivamente.
Quem possui as duas espécies de capacidade tem necessidade plena. Quem só ostenta a de direito, tem capacidade limitada e necessita, como visto, de outra pessoa que substitua ou complete a sua vontade.. São, por isso, chamados de incapazes.
Por fim, capacidade não se confunde com legitimação. Esta é a aptidão de determinados atos jurídicos, uma espécie de capacidade especial exigida em certas situações. Assim, por exemplo, o ascendente é genericamente capaz, mas só estará legitimado a vender a um descendente se o seu cônjuge e os demais descendentes expressamente consentirem. A falta de legitimação alcança pessoas impedidas de praticar certos atos jurídicos sem serem incapazes, por exemplo, o tutor, proibido de adquirir bens do tutelado; o casado, exceto no regime de separação absoluta de bens, de alienar imóveis sem a outorga do outro cônjuge; os tutores ou curadores, de dar em comodato os bens confiados à sua guarda sem autorização especial, etc.



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