Separação de "Poderes" - Teoria Geral
Direitos e Deveres

Separação de "Poderes" - Teoria Geral


Aristóteles: identificação das funções do Estado
As primeiras bases teóricas para a “tripartição de Poderes” foram lançadas na Antiguidade grega por Aristóteles, em sua obra Política, em que o pensador vislumbrava a existência de três funções distintas exercidas pelo poder soberano, quais sejam, a função de editar normas gerais a serem observadas por todos, a de aplicar as referidas normas ao caso concreto (administrando) e a função de julgamento, dirimindo os conflitos oriundos da execução das normas gerais nos casos concretos.
Acontece que Aristóteles, em decorrência do momento histórico de sua teorização, descrevia a concentração do exercício de tais funções na figura de uma única pessoa, o soberano, que detinha um poder “incontrastável de mando”, uma vez que era ele quem editava o ato geral, aplicava-o ao caso concreto e, unilateralmente, também resolvia os litígios eventualmente decorrentes da aplicação da lei. A célebre frase de Luís XIV reflete tal descrição: “L’État c’est moi”, ou seja, “o Estado sou eu”, o soberano.
Dessa forma, Aristóteles contribuiu no sentido de identificar o exercício de três funções estatais distintas, apesar de exercidas por um único órgão.
Montesquieu: correspondência entre a divisão funcional e uma divisão orgânica
Muito tempo depois, a teoria de Aristóteles seria “aprimorada” pela visão precursora do Estado liberal burguês desenvolvida por Montesquieu em seu O espírito das leis.
O grande avanço trazido por Montesquieu não foi a identificação do exercício de três funções estatais. De fato, partindo desse pressuposto aristotélico, o grande pensador francês inovou dizendo que tais funções estariam intimamente conectadas a três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si. Cada função corresponderia a um órgão, não mais se concentrando nas mãos únicas do soberano. Tal teoria surge em contraposição ao absolutismo, servindo de base estrutural para o desenvolvimento de diversos movimentos como as revoluções americana e francesa, consagrando-se na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 16.
Por meio dessa teoria, cada Poder exercia uma função típica, inerente à sua natureza, atuando independente e autonomamente. Assim, cada órgão exercia somente a função que fosse típica, não mais sendo permitido a um único órgão legislar, aplicar a lei e julgar, de modo unilateral, como se percebia no absolutismo. Tais atividades passam a ser realizadas, independentemente, por cada órgão, surgindo, assim, o que se denominou teoria dos freios e contrapesos.
Abrandamento da teoria de Montesquieu – funções típicas e atípicas
A teoria da “tripartição de Poderes”, exposta por Montesquieu, foi adotada por grande parte dos Estados modernos, só que de maneira abrandada. Isso porque, diante das realidades sociais e históricas, passou-se a permitir maior interpenetração entre os Poderes, atenuando a teoria que pregava a separação pura e absoluta dos mesmos.
Dessa forma, além do exercício de funções típicas (predominantes), inerentes e ínsitas à sua natureza, cada órgão exerce, também, outras duas funções atípicas (de natureza típica dos outros dois órgãos). Assim, o Legislativo, por exemplo, além de exercer uma função típica, inerente à sua natureza, exerce, também, uma função atípica de natureza executiva e outra função atípica de natureza jurisdicional.
Importante notar que, mesmo no exercício da função atípica, o órgão exercerá uma função sua, não havendo aí ferimento ao princípio da separação de Poderes, porque tal competência foi constitucionalmente assegurada pelo poder constituinte originário.
QUANTO AO LEGISLATIVO:
Função típica: i) legislar; ii) fiscalização contábiol, financeira, orgçamentária e patrimonial do Executivo.
Função atípica: natureza executiva: ao dispor sobre sua organização, provendo cargos, concedendo férias, licenças a servidores, etc; natureza jurisdicional: o Senado julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade (art. 52, I).
QUANTO AO EXECUTIVO:
Função típica: prática de atos de chefia de Estado, chefia de Governo e atos de administração.
Função atípica: natureza legislativa: o Presidente da República, por exemplo, adota medida provisória, com força de lei (art. 62); natureza jurisdicional: o Executivo julga, apreciando defesas e recursos administrativos.
QUANTO AO JUDICIÁRIO:
Função típica: julgar (função jurisdicional), dizendo o direito no caso concreto e dirimindo os conflitos que lhe são levados, quando da aplicação da lei.
Função atípica: natureza legislativa: regimento interno de seus tribunais (art. 96, I, “a”); natureza executiva: administra, v.g., ao conceder licenças e férias aos magistrados e serventuários (art. 96, I, “f”).


Impropriedade da expressão “tripartição de Poderes”
Depois de todo visto, devemos apenas sistematizar a imprecisão da utilização da expressão “tripartição de Poderes”.
Isso porque o poder é uno e indivisível. O poder não se triparte. O poder é um só, manifestando-se através de órgãos que exercem funções. Assim, temos:
a)      Poder: uno e indivisível, um atributo do Estado que emana do povo;
b)     Função: a função constitui, pois, um modo particular e caracterizado de o Estado manifesta a sua vontade.
c)      Órgão: os órgãos são, em consequência, os instrumentos de que se vale o Estado para exercitar suas funções, descritas na Constituição, cuja eficácia é assegurada pelo Poder que a embasa.
Assim, todos os atos praticados pelo Estado decorrem de um só Poder, uno e indivisível. Esses atos adquirem diversas formas, dependendo das funções exercidas pelos diferentes órgãos. Assim, o órgão legislativo exerce uma função típica, inerente à sua natureza, além de funções atípicas, conforme vimos, ocorrendo o mesmo com os órgãos executivo e jurisdicional.
Feitas essas observações, devemos lembrar que a expressão “tripartição de Poderes”, normalmente, é utilizada sem muito rigor técnico, inclusive pela própria Constituição, que em seu art. 2º assevera: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Portanto, por “Poderes” entendam-se órgãos, em decorrência do que expusemos acima.
A independência dos Poderes e a indelegabilidade de atribuições
Ressaltamos serem os “Poderes” (órgãos) independentes entre si, cada qual atuando dentro de sua parcela de competência constitucionalmente estabelecida e assegurada quando da manifestação do poder constituinte originário.
Nesse sentido, as atribuições asseguradas não poderão ser delegadas de um Poder (órgão) a outro. Trata-se do princípio da indelegabilidade de atribuições. Um órgão só poderá exercer atribuições de outro, ou de natureza típica de outro, quando houver expressa previsão (e aí surgem as funções atípicas) e, diretamente, quando houver delegação por parte do poder constituinte originário, como, por exemplo, ocorre com as leis delegadas do art. 68, cuja atribuição é delegada pelo Legislativo ao Executivo.
Por fim, lembre-se que a CF/88 erigiu à categoria de cláusula pétrea a separação de Poderes, conforme se observa pelo art. 60, § 4º, III.



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