A ORDEM SOCIAL*
Direitos e Deveres

A ORDEM SOCIAL*


O Estado brasileiro constitui-se em República Federativa e tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, conforme consubstancia o inciso III do artigo 1º da Carta Republicana. Esta invariante axiológica – dignidade – é de extrema valia para as duas funções que o Estado deve desempenhar, quais sejam: jurídica e social.

Uma Constituição não pode ter suas normas interpretadas de forma estanque e separadas uma das outras. É necessária – e sem demora – a interpretação lógico-sistemática de seus princípios e regras, sem o abandono dos demais sistemas de interpretação (gramatical, histórico, racional, teleológico, dentre outros).

Desempenhando a função social, como bem anota Goffredo Telles Junior em sua obra “Iniciação na Ciência do Direito”, o Estado deve atuar na educação, na assistência social, na saúde, na previdência, na cultura, entre outras áreas de interesse coletivo e social.

Nas áreas da saúde, assistência social e previdência, o Estado brasileiro não pode mais atuar como mero expectador e incentivador do setor privado. O Estado chegou a tal ponto de desenvolvimento e de posição de garante que não pode mais alegar como função primária a atividade jurídica, deixando de lado a atividade social.

A afirmação acima é verídica e encontra lastro constitucional. Como bem assevera o filósofo Jacques Maritain, a dignidade da pessoa humana exige do Estado uma promoção e defesa de direitos sociais e econômicos (que estão indissociavelmente ligados à Ordem Social), haja vista ser a dignidade o valor que ilumina toda a sociedade.

Essas atividades da Ordem Social sempre devem ser desenvolvidas pelos 03 Poderes estatais, bem como pela sociedade, sempre buscando a primazia dos fundamentos republicanos, a proteção e promoção dos direitos fundamentais e do desenvolvimento com liberdade de um país.

A previdência social possui destinatários certos, ou seja, tem caráter contributivo. Isso não significa que a previdência não possua como característica a solidariedade; na verdade, paga-se para custear o sistema, e, ao final de uma vida de labor, recebe-se um valor, chamado aposentadoria (setor privado) ou proventos (setor público).

A filiação à previdência é obrigatória para todos aqueles que desenvolvem atividades profissionais com registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Há possibilidade de contribuição facultativa por parte de trabalhadores que estejam em determinada categoria jurídica.

Urge lembrar que o servidor público também é filiado obrigatório da previdência social, porém, como regra, em regime próprio, diferenciado do regime comum.

Regra geral, a responsabilidade pela administração e direção da Previdência Social está a cargo do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Dizemos “regra geral” porque se excetua o regime próprio, onde cada ente federativo pode possuir o seu, para custear os proventos de seus servidores.
Quanto à Assistência Social há que se fazer brevíssima consideração: ela atua onde a Previdência não se faz presente. A Assistência deve atingir aos desamparados, aos que não preencham os requisitos legais de ingresso na Previdência, mas que necessitem da solidariedade pública que deve fundamentar a atuação estatal.

Segundo a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), aos maiores de 67 (sessenta e sete) anos, não filiados a regime previdenciário, portadores de necessidades especiais nas mesmas condições e a quem dela necessitar, a Assistência Social deve se fazer presente.

Finalmente chegamos a uma das atividades mais importantes dentro do Estado moderno, com as conformações que lhes deram Montesquieu, John Locke e Tocqueville: a saúde.

O valor solidariedade também está enraizado em um estado promotor da saúde de todos, haja vista que até mesmo percentual de arrecadação com tributos repassados ou não, a União, os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios devem investir na manutenção e modernização da saúde.

Atividades como a educação não poderiam – e não estão – fora da Ordem Social. O mesmo diga-se da cultura, meio ambiente, família e desporto.

Aliás, qualquer atuação, seja administrativa, judicial ou legislativa, deve ter em mente a família como núcleo estrutural de uma sociedade. As políticas públicas da Ordem Social e todas as outras devem ser elaboradas pensando nesse núcleo estruturante.

A família deve receber esse tratamento especial e um dos grandes males da nossa passada “pseudo democracia”, que hoje parece estar se firmando, era desconsiderar a análise conjunta de vários fenômenos sociais e normas jurídicas. As normas constitucionais, e a Constituição possui força normativa, não devem ser interpretadas separadamente uma das outras, uma vez que a Carta Magna é um todo coeso, como é o sistema jurídico.

O investimento e a modernização da educação e a garantia do acesso à cultura são partes integradas daquilo que Amartya Kumar Sen convencionou chamar de “Desenvolvimento como Liberdade”. Não há como desenvolver uma nação sem garantir liberdade em seus domínios. Isso só pode ser buscado com a massificação da educação e a defesa e promoção da cultura de forma universalizada. A própria Ordem Social não se desenvolve sem essa visão.

A proteção do meio ambiente dentro dessa visão integradora dos componentes da Ordem Social é tema recorrente aos direitos sociais e ao capitalismo, haja vista que sem a proteção do meio não haveria insumos, o que dificultaria ou até mesmo inviabilizaria uma construção social com harmonia.

Essa nossa Ordem Social foi idealizada por um Poder Constituinte Originário, que reside e encontra seu fundamento de validade no povo, aliás, pertence a este. Logo, ela deve ser pensada de forma pluralista, solidária, rompendo com antigas estruturas, como favorecimentos indevidos, burocracia exacerbada e imoralidade pública, incentivando e defendendo-se a supremacia e a indisponibilidade do interesse público e os preceitos insculpidos na Constituição Federal de 1988, vez que essa é a vontade do povo já exarada no Preâmbulo constitucional. Somente assim o estado encontra legitimidade, fazendo com que termos como “povo” e “poder” não se encontrem mais separados por um contingente de interesses espúrios.

Enfim, a Ordem Social não pode ser planejada e desenvolvida sem uma visão sistemática da Constituição e demais leis infraconstitucionais pertencentes aos sistema jurídico nacional, bem como sem a devida atenção com educação, família, meio ambiente, proteção ao idoso e das camadas sofridas da sociedade, nem mesmo sem a observância dos princípios fundamentais da República e dos cidadãos.
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*Com esta redação, obtive a nona colocação dentre 31 candidatos, muitos mais titulados do que eu, no concurso público para provimento de cargo de Professor Titular de Direito Constitucional da minha Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, local onde me bacharelei em Direito, com muito orgulho.



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