Aprendendo Direito ou Estudando para Concursos???
Direitos e Deveres

Aprendendo Direito ou Estudando para Concursos???


APRENDER DIREITO x ESTUDAR PARA CONCURSO - definitivamente, não são a mesma coisa. Se você quer estudar para concurso público enquanto cursa sua graduação em Direito, nada contra. Mas se você quer fazer de sua graduação em Direito um cursinho preparatório para concursos públicos, meu amigo, faça um favor a você e à comunidade - tranque sua matrícula.

Hoje em dia, a cultura do concurso público perpetua uma lógica perversa (ao menos em Brasília, mas acredito que isso possa ser generalizado para todo o Brasil). Os concursos para carreiras jurídicas estão cada vez mais burros ("burros", aqui, tem um sentido específico que explicarei adiante). Os interessados nas carreiras jurídicas se preparam para serem aprovados nessas provas burras e, para isso, se tornam, também eles, burros (ao menos, provisoriamente - mas a maioria segue sendo assim para sempre...). E, para concluir, esses aprovados se tornam professores de cursinhos e repetem para seus alunos a mesma fórmula burra que usaram para serem aprovados...

Quando digo que os concursos estão cada vez mais burros, quero dizer que as bancas (todas elas, mais famosas ou menos famosas) insistem em fazer provas pela sistemática da memorização superficial do direito dogmático. É chavão em aulas preparatórias o professor (em tom de auto-ajuda) falar a seus alunos que "para passar em concurso, o candidato tem que saber um pouco de tudo". A ênfase (que a linguagem escrita não permite acentuar) é colocada na palavra "pouco".

Na faculdade, ao contrário, deveríamos ter o local para o aluno aprender o Direito de uma perspectiva de quem pensa, de quem critica. Porém, o ensino se tornou a-crítico. Por um lado, por culpa do "mercado" (leia-se "alunos"); por outro lado, por culpa dos professores. Repetindo e explicando - o mercado exige que o professor das faculdades particulares reduza sua análise a uma exposição superficial do Direito-como-está (direito dogmático), justamente porque o aluno-tipo (ressalvadas as honrosas exceções) não se interessa por outra coisa, salvo saber em que letra ele marca o 'x' numa prova de múltipla escolha; por outro lado, os professores (e aqui incluem-se as coordenações e reitorias) se renderam a esse modelo espúrio (até porque, ninguém vai colocar seus empregos em risco para "tentar melhorar" o sistema... "o sistema que fique como está").

A função do ensino jurídico está sendo desrespeitada,  sobretudo nas faculdades particulares. Ou seja, as faculdades, que deveriam formar pessoas capazes de inovar, se tornaram formadores de máquinas de repetição, incapazes de avaliar se o que se faz nos tribunais do País é o que, de fato, deveria estar sendo feito.

Sobre isso, duas leituras:

LENIO LUIZ STRECK - Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: "A cultura calcada em manuais, muitos de duvidosa cientificidade [por exemplo, Direito Administrativo Simplificado, Direito Penal Esquematizado etc.], ainda predomina na maioria das faculdades de Direito. Forma-se, assim, um imaginário que 'simplifica' o ensino jurídico, a partir da construção de standards e lugares comuns, repetidos nas salas de aula e posteriormente nos cursos de preparação para concursos, bem como nos fóruns e nos tribunais. Essa cultura alicerça-se em casuísmos didáticos. (...) Cada vez mais a doutrina doutrina menos; isto é, a doutrina não é mais doutrina; é, sim, doutrinada pelos tribunais."

RIZZATTO NUNES - Manual de Introdução ao Estudo do Direito: "Infelizmente, se deu o oposto [o autor propôs, antes, a aproximação dos concursos com os cursos jurídicos de currículos modernos - leia-se, com ampla formação humanística e capacidade crítica]: nunca os cursos jurídicos estiveram tão parecidos com os conhecidos cursinhos de ingresso nas carreiras jurídicas. Escolas há em que a grade curricular é exatamente a mesma dos cursinhos, isso quando as disciplinas não são dadas pelos mesmos professores [e com os mesmos resumos e planos de ensino!!!]. Que cursinhos existam, vá lá, é uma exigência criada pelos concursos públicos, normalmente incapazes de selecionar os melhores profissionais. O problema está em que as escolas de Direito acabaram seguindo os cursinhos, numa linha regressiva que só fez piorar o ensino já paupérrimo".

CONCLUINDO - amigo estudante, forme-se a si mesmo, procurando, durante o curso de graduação, além de decorar conceitos e regras, entender as ferramentas sociais, econômicas e filosóficas que movem o Direito. Sem isso você é apenas engrenagem numa máquina que anda sozinha. Nada contra as engrenagens, mas nós podemos, talvez, participar da condução dessa máquina, caso consigamos perceber no Direito uma realidade mais profunda.



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