Direitos e Deveres
DIREITO PENAL - PARTE GERAL: CONFLITO APARENTE DE NORMAS
INTRODUÇÃO
"
Fala-se em concurso aparente de norma quando, para um determinado fato, aparentemente, existem duas ou mais normas que poderão sobre ele incidir " Rogério Greco.
Em linhas gerais ocorre concurso ou conflito de normas quando há duas ou mais normas aparentemente descrevendo o mesmo fato. Sendo assim mais de uma norma parece regular a mesma questão, as normas se assemelham, no entanto é considerado aparente por que apenas uma norma será aplicada. Veremos como proceder nesses casos ainda neste resumo.
É importante destacar que as normas versam sobre o mesmo fato, pois se houver mais de um fato não há que se falar em conflito de normas, pois uma pode estar descrevendo um fato e a outra descrevendo o outro é o que ocorre no concurso material de crimes. Desta forma podemos concluir que, acontece um fato e aparentemente duas ou mais normas parecem ser aplicáveis.
Por isso para que se configure conflito de normas precisamos observar algumas características.
1 - Unidade do fato = ser um único fato, ou seja, uma única infração penal.
2 - Pluralidade de normas = duas ou mais normas parecem descrever e regular o mesmo fato.
O exemplo clássico utilizado para melhor ilustrar essa questão é a similaridade entre os artigos 121 e 123, do Código Penal que tratam do homicídio e do infanticídio respectivamente, tanto um como outro tem o resultado ou configuram o fato de matar alguém.
RESOLUÇÃO DE CONFLITO APARENTE DE NORMAS
Para resolução do conflito aparente de normas a doutrina adotou alguns princípios: princípio da especialidade, princípio da subsidiariedade, princípio da consunção e princípio da alternatividade.
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
A norma especial será aplicada ao invés da norma geral, a norma especial irá prevalecer diante da norma especial, pois possui elementos que se enquadram melhor a situação fática.
Aproveitando o exemplo dado anteriormente iremos utilizar os mesmos dispositivos para destrinchar a questão e completar a definição do princípio da especialidade.
Imaginemos que uma criança é assassinada por sua mãe durante o parto ou logo após a nascer.
Bem, houve um homicídio, logo o artigo 121 poderia ser aplicado, mas o artigo 123 descreve muito melhor a questão, além do matar ele inclui a característica do autor ser a mãe e que tenha agido sob a influência do estado puerperal. Por isso entende-se que a norma especial possui os elementos da norma geral somados a outros elementos que a torna especial ou elementos especializantes. Com isso evita-se o bis in idem. Desta forma o agente responde pelo crime disciplinado na norma com elementos especiais.
Art. 121. Matar alguém
Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após.
Este é o principal princípio utilizado para determinação da norma que será utilizada; para Bittencourt os outros princípios acabam assumindo um caráter subsidiário utilizados apenas quando o da especialidade não for suficiente para resolver a questão.
PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE
Lex primaria derogat legi subsidiaria !!!
Neste caso duas normas estabelecem graus diferentes de violação de um mesmo bem jurídico, gerando um aparente conflito entre ambas, pois existem duas normas protegendo o mesmo bem, sendo que uma descreve conduta mais gravosa que a outra. Porém nesse caso não há que se falar em especialidade, pois uma norma é considerada como principal e a outra é considerada como norma subsidiária (de auxílio).
Por exemplo: Uma norma descreve o crime de dano e a outra furto mediante rompimento de obstáculo.
Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
Art 155 - Subtrair, para si ou para outrem , coisa alheia, móvel.
§4º A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração de coisa
Ambas tem como bem jurídico a defesa do patrimônio alheio, sendo que, no artigo 163 a destruição do patrimônio é punida com detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa; já no art 155,§4º é punido com reclusão de dois a oito anos, e multa.
Porém, embora tutelem o mesmo bem jurídico a segunda norma descreve conduta mais ofensiva ao patrimônio por isso é mais rígida, desta forma esta será a principal e a menos gravosa será subsidiária. Nelson Hungria chama a norma subsidiária de "
soldado reserva", por que será utilizada quando a pena da norma que descreve conduta mais gravosa for afastada por algum motivo.
No entanto a regra é de que a norma principal afasta a incidência da norma subsidiária = Lex primaria derogat legi subsidiaria.
PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO
Lex consumens derogat lex consumptae !!!
Segundo Bittencourt o princípio da consunção também denominado de princípio da absorção ocorre quando determinado crime pode ser fase de consumação ou execução de outro crime, onde este outro crime é chamado de crime fim.
O agente ao percorrer o inter crimines realiza outros crimes no meio do caminho, seu objetivo é a realização de um crime X (crime fim), por isso este crime absorverá os cometidos no processo de realização ou consumação do crime fim. O crime fim absorve os demais, pois estes são apenas considerado como fase ou mero exaurimento do crime.
Não é necessariamente a norma que absolve a outra, mas os fatos realizados absorvem os demais, configurando de modo completo apenas uma norma.
Um ótimo exemplo para o entendimento deste princípio é dado por Rogério Grecco, ao pontuar que para que haja um crime de estelionato com um cheque achado na rua, o agente deve primeiro preencher o cheque e assiná-lo cometendo assim o delito de falso. Veja que o preenchimento e a assinatura são apenas fases ou elementos para realização do crime fim que é neste caso o estelionato. Inclusive o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou a respeito do assunto.
Súmula 17/STJ - Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.
PRINCÍPIO DA ALTERNATIVIDADE
Existem normas que possuem tipos alternativos, ou seja, onde o crime será considerado consumado quando o agente pratica uma ou todas as ações descritas. O crime descreve ações múltiplas, pois existem várias formas de realização do tipo penal.
Quando falamos em tipo penal alternativo não podemos deixar de citar o art. 33 da lei de tóxicos (Lei 11.343/2006). Que considera como tráfico de drogas:
Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regular.
Ao praticar qualquer uma destas condutas o agente será enquadrado por tráfico que é um único tipo penal embora possua vários verbos, mas alguns doutrinadores como Grecco, Damásio e Mirabete defendem que o juiz ao aplicar a pena, pode considerar a realização de mais de uma conduta do mesmo tipo penal, como elemento para aumentá-la e não aplicar a pena base, considerando que a culpabilidade do agente seja maior.
Ao contrário do princípio da especialidade que é amplamente aceito na doutrina o princípio da alternatividade não é unanime, recebendo várias criticas inclusive do ilustre Bittencourt. Este princípio tem aplicação minoritária por que na verdade não há conflito aparente de normas e sim conflito interno na própria norma, entre os tipos descritos na norma. Porém este princípio é válido sim para solução do conflito aparente de normas, no sentido de afastar a aplicação de outras normas e evitar que as várias condutas sejam consideradas como crimes diferentes.
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