O Estado de S. Paulo - 19/11/2010
Quatro meses depois de terem promovido uma das mais longas greves na história do Poder Judiciário, os servidores das Justiças do Trabalho, Federal e Eleitoral voltaram a cruzar os braços em sete Estados. Nos demais, as paralisações devem começar na próxima semana. O motivo, como sempre, é de natureza salarial. Os grevistas pressionam para que o governo acolha o plano de cargos reivindicado pela corporação e conceda o reajuste de 56% que é pleiteado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) ao Executivo.
Pelas estimativas do Ministério do Planejamento, as duas propostas têm um impacto de R$ 10,8 bilhões ao ano nos cofres públicos. Por isso, depois de afirmar que a presidente eleita, Dilma Rousseff, irá impor um teto para os gastos com o funcionalismo, "para abrir espaço para investimentos", o ministro Paulo Bernardo classificou as pretensões da Justiça como delirantes.
Dois dias após a fala do ministro, o diretor-geral do Supremo Tribunal Federal, Alcides Diniz, convocou entrevista coletiva para tentar refutá-lo. Invocando o velho argumento da isonomia, Diniz alegou que o reajuste de 56% tem por objetivo aproximar os salários do Judiciário aos vencimentos pagos pelo Executivo e pelo Legislativo. Diniz também tentou responder ao argumento de que, embora os Poderes sejam independentes, o cofre é um só e a responsabilidade sobre o que entra e sai é do Executivo. "A gestão das pessoas é nossa", disse ele, depois de afirmar que, sem o reajuste de 56%, a Justiça perderá servidores qualificados para o Executivo e para o Legislativo.
O argumento é, no mínimo, equivocado. Segundo o Ministério do Planejamento, o Judiciário até hoje paga alguns dos maiores salários e das maiores aposentadorias do serviço público. No início de 2009, a média salarial do Judiciário era de R$ 15,3 mil - ante R$ 13,3, mil no Legislativo e R$ 4,3 mil no Executivo.
O diretor-geral da mais alta Corte do País lembra ainda que o presidente Lula teria prometido discutir as pretensões salariais dos serventuários judiciais após as eleições e que o presidente do STF, Cezar Peluso, vai exigir o cumprimento do acordo. Falando nos Estados Unidos, onde participava de eventos oficiais, Peluso afirmou que não "abrirá mão" de um novo plano de cargos e que aceita que o reajuste de 56% seja pago ao longo de dois anos.
A nova paralisia das Justiças do Trabalho, Federal e Eleitoral autoriza a suposição de que os servidores judiciais estão agindo articulados com a cúpula da magistratura. Há duas semanas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também é presidido por Peluso, anunciou a criação de grupos de apoio técnico para auxiliar as Justiças estaduais nas negociações orçamentárias com os governos estaduais. Na verdade, trata-se de um grupo de pressão - e não por acaso, o funcionalismo dessas cortes também vem prometendo fazer greve caso os governadores não acolham as propostas orçamentárias encaminhadas pelos Tribunais de Justiça. Em 2009, alguns Tribunais pediram aumento de 72% em seus orçamentos - isso sem contar as verbas suplementares pedidas para implementar planos de cargos e carreiras.
Por isso, o ministro do Planejamento está certo quando considera delirantes as pretensões da Justiça. Além de a instituição já pagar os maiores salários do serviço público, ela, como foi revelado por um recente estudo do CNJ, está inchada - ou seja, tem um número de funcionários bem maior do que o necessário. Com 91 tribunais, o Judiciário tem 312,5 mil servidores e 16,1 mil juízes - e os gastos com salários e vantagens funcionais totalizaram R$ 37,3 bilhões em 2009. Outra recente pesquisa do CNJ também mostra que a maioria dos tribunais não conseguiu atingir as metas de produtividade estabelecidas durante o 2.º Encontro Nacional do Judiciário.
Como até hoje não há no País uma lei que discipline a política salarial dos Três Poderes e o direito de greve no serviço público até hoje não foi regulamentado, as corporações que gritam mais quase sempre conseguem o que reivindicam. É isso que explica a nova paralisia dos servidores do Judiciário.