Quem bate atrás é sempre o culpado
Direitos e Deveres

Quem bate atrás é sempre o culpado


O senso popular é taxativo em afirmar que ?quem bate atrás é sempre o culpado?. Baseado em que se faz essa afirmação, não me pergunte. Lendo e relendo o Código Nacional de Trânsito (Lei n.° 9.503/1997), bem como consultando a jurisprudência, não localizei qualquer dispositivo ou entendimento nesse sentido.


Não sei se é fruto de mau-entendimento da expressão jurídica ?presunção?, muito utilizada na jurisprudência sobre a matéria, mas o fato é que se você presenciar um acidente automobilístico com colisão traseira, certamente ouvirá a frase: ?a culpa é sua, você bateu atrás. Quem bate atrás é o culpado?.

Antes de se adentrar às minúcias do tema proposto, é importante estabelecer um paralelo entre as expressões ?sempre? e ?presumido?.

Segundo o Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa, o vocábulo ?sempre? designa algo que se observa ?1. A toda a hora, a todo o momento, em todo o tempo. 2 Constantemente, continuamente, sem cessar.(...) 5 Com efeito, efetivamente.?

O mesmo dicionário, no que toca ao vocábulo ?presumido?, atribui à expressão o seguinte significado: ?1 Que se presumiu; julgado, imaginado, suposto. 2 Hipotético, ficto.?

Vale dizer, ?sempre? não admite exceções ou interpretações, na medida em que é fato estabelecido e sedimentado, importando em algo que realmente, efetivamente, aconteceu. Por seu turno, a expressão ?presumido? induz a fato hipotético, mera suposição, que depende de julgamento.

Como se observa, há um abismo entre as expressões. Tal situação é importante ficar clara, pois a análise da celeuma depende disso.

O Superior Tribunal de Justiça, embora não adentre aos fatos específicos do caso, por força da súmula n.° 7 daquela corte, já se manifestou sobre o tema e estabeleceu que há ?presunção de culpa? sobre aquele que colidiu na traseira, não havendo que se falar em ?sempre haver culpa?. in verbis:


CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO NA TRASEIRA DO VEÍCULO. PRESUNÇÃO DE CULPA. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "culpado, em linha de princípio, é o motorista que colide por trás, invertendo-se, em razão disso, o onus probandi, cabendo a ele a prova de desoneração de sua culpa" (REsp nº 198.196, RJ, relator o eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicado no DJ de 12.04.1999).Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 535.627/MG, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/05/2008, DJe 05/08/2008) (sem negritos no original)

Da simples leitura do excerto jurisprudencial supra, denota-se que o único efeito que se atrai com a presunção é a inversão do ônus da prova. Vale dizer, aquele que foi abalroado na traseira não precisará demonstrar que a culpa foi do sujeito que vinha atrás de seu veículo, na medida em que este sujeito é quem deverá demonstrar que não foi o culpado pelo acidente - demonstrando que ato ou omissão daquele que vinha a sua frente foi determinante para a ocorrência da colisão - sob pena de se presumir sua culpa.

Como é cediço, a presunção de culpa, nos casos de colisão traseira, é relativa (juris tantum), de sorte que é passível de afastamento, mediante prova em contrário. A Jurisprudência pátria é uníssona nesse sentido, veja-se:


APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESSARCIMENTO MOVIDA POR SEGURADORA - ACIDENTE DE TRÂNSITO - COLISÃO TRASEIRA - PAGAMENTO DE FRANQUIA COMO FATOR INDICATIVO DE CULPA - INOVAÇÃO RECURSAL - PRESUNÇÃO DE CULPA DO MOTORISTA ABALROADOR ELIDIDA - MOTORISTA ABALROADO INVADIU A VIA PREFERENCIAL E MUDOU DE PISTA SEM A DEVIDA CAUTELA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA NOVA VERSÃO DOS FATOS - ÔNUS QUE LHE CABIA POR FORÇA DO ART. 333, I, CPC - SENTENÇA MANTIDA. 1. Em atenção aos princípios do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição, não se admite a alegação de argumento novo em fase recursal. 2. A presunção relativa de culpa do veículo abalroador foi elidida pelo Requerido, que demonstrou que o veículo abalroado invadiu a via preferencial e transpõe de faixa na pista sem as cautelas devidas. Infração aos deveres de segurança e confiança e desatendimento às leis de trânsito. 3. As teses sustentadas pela seguradora - presunção de culpa e excesso de velocidade do veículo abalroador, bem como inexistência de culpa do segurado (condutor do veículo abalroado) - não foram suficientemente demonstradas. Autor que não se desincumbiu do ônus que lhe compete por força do art. 333, I, CPC. 4. A extinção de ação sem resolução de mérito em nada influencia demanda conexa pendente de julgamento, principalmente se o fundamento da decisão da primeira é alheio à discussão da segunda. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO.(TJPR - 9ª C.Cível - AC 0578904-6 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Desª Rosana Amara Girardi Fachin - Unânime - J. 28.05.2009)


INDENIZAÇÃO - VEÍCULOS - COLISÃO POR TRÁS - FALTA DE CAUTELA PARA MANTER VEÍCULO ESTRAGADO EM RODOVIA - DEVER DE SINALIZAÇÃO - CAUSA DETERMINANTE PARA O EVENTO DANOSO. No caso de colisão por trás, a culpa é presumida do condutor do veículo que colidiu na traseira do outro, podendo ser aquela desconstituída, desde que provado que a causa determinante do evento danoso é de se tributar ao veículo que seguia à frente." (Extinto TAMG, Apelação Cível nº 367.463-9, Quarta Câmara Cível, Relator Desembargador Saldanha da Fonseca, j. em 25/09/2002)


ACIDENTE DE VEÍCULO - COLISÃO NA PARTE TRASEIRA - CORRENTE DE TRÁFEGO - PRESUNÇÃO DE CULPA DO VEÍCULO ABALROADOR AFASTADA PELA COMPROVAÇÃO DE MANOBRA IMPRUDENTE POR PARTE DO MOTORISTA DO VEÍCULO QUE SEGUE À FRENTE - INDENIZAÇÃO NÃO DEVIDA.Se, na corrente de tráfego, o motorista, de inopino, muda de faixa de rolamento, sem dar condições ao veículo que nesta seguia, de evitar a colisão, a causa determinante do acidente deve ser imputada àquele motorista, ante a comprovada imprudência em mudar de faixa de rolamento, sem antes atentar se as condições de tráfego assim lhe permitiam.
Indenização não devida, uma vez não demonstrado qualquer comportamento culposo por parte do condutor de veículo abalroador, afastando a presunção de culpa do motorista que colide contra a parte traseira de veículo na dianteira. Apelação não provida. Unânime. (TJDF - AC. 50.307/98 - Relatora: Desembargadora Maria Beatriz Parrilha)


ACIDENTE DE VEÍCULO. MUDANÇA DE PISTA. CONVERSÃO INDEVIDA. CULPA. DANOS LATERAIS. PRETENSÃO REGRESSIVA INACOLHIDA.Aquele que transita numa via com várias faixas de direção e pretende convergir da pista da esquerda para a da direita, deve se certificar da possibilidade e segurança da manobra.
A manobra visando o ingresso numa contramão não pode ser tida como previsível e deve ser considerada uma conduta imprudente.
Danos laterais e traseiros podem excluir a presunção de culpa do condutor do veículo que seguia atrás.(...) (Extinto TAMG, Apelação Cível 399.984-0, Terceira Câmara Cível, Relatora Desembargadora Albergaria Costa, j. em 30/08/2003)

E, com todo o respeito a quem pense de forma diferente, nem poderia ser outro o entendimento para questões de reparação de danos dessa natureza, pois, não se trata de responsabilização objetiva. Embora haja presunção, esta é de ?culpa?, ou seja, o elemento subjetivo da responsabilização remanesce e há de ser apreciado.


Assim, a afirmação de que "aquele que bate atrás é sempre o culpado" não procede, sendo mera lenda urbana propagada popularmente sem qualquer fundamento legal.



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