Modificações da competência
Direitos e Deveres

Modificações da competência


       Para analisar os casos de modificação de competência, há de se ter em vista a classificação da competência em absoluta e relativa. Dar-se-á modificação (ou prorrogação) de competência quando se amplia a esfera de competência de um órgão judiciário para conhecer certas causas que não estariam, ordinariamente, compreendidas em suas atribuições jurisdicionais. Só há prorrogação da competência relativa: arts. 102 e 114, CPC.
       Há casos de modificação legal (conexão e continência) e voluntária (foro de eleição e não-oposição da exceção de incompetência) da competência.
       Vejamo-los.
       Não-oposição da exceção de incompetência
       A incompetência relativa é arguida por meio de exceção. Não sendo oposta a exceção declinatória do foro, prorroga-se a competência. Se não opuser em ação cautelar preparatória, não poderá opor na principal: terá havido prorrogação.
       O Ministério Público só pode arguir a exceção quando for réu; nunca como custos legis, porquanto esteja dentro do âmbito de disposição das partes. Admite-se, porém, que, no caso em que a sua intervenção se dê em razão da presença de incapaz, possa arguir a incompetência relativa.        
        Foro de eleição (art. 111, CPC)
        Como já dito, a competência relativa pode ser derrogada pela vontade das partes, que elegerão foro onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações. O que se elege é o foro, não o juízo. Trata-se de norma que dá aplicação ao disposto no art. 78 do CC/2002. É um caso de prorrogação voluntária da competência, assim como a não-oposição de exceção de incompetência. O acordo há de constar de negócio escrito, aludindo expressamente a determinado negócio jurídico. Anote-se, nessa linha que não há qualquer óbice à eleição de mais de um foro pelas partes contratantes. Pense-se no exemplo da eleição de dois foros contratuais: um para a hipótese de ser parte autora o contratante “A” e outro para o caso de o demandante ser o contratante “B”. Nada impede, ainda, que, em um mesmo negócio jurídico, haja a eleição do foro e a convenção de arbitragem; nesse caso, o foro de eleição servirá para identificação do juízo competente para futura execução da sentença arbitral ou para a demanda por medidas urgentes, ambas hipóteses que fogem da competência do juízo arbitral.
        Ao foro de eleição devem submeter-se todos os litígios relacionados ao contrato que o instituiu? Tendo feito amplo apanhado histórico, Moniz de Aragão demonstra que a cláusula de foro de eleição serve para fixar a competência em processos que resultam da obrigação do contrato; ação emanada do contrato, incluindo também aquelas que discutam a sua interpretação. Diverso, por exemplo, é o caso de anulação por vício de vontade, ou de declaração de nulidade por ilicitude do objeto, hipóteses em que a causa petendi não emana do contrato, mas de fatos jurídicos a ele externos e mesmo anteriores.
        Entretanto, há julgados que, mesmo em causas que versem sobre a validade do contrato, não excluem a competência do foro de eleição para processar e julgar a demanda, sob fundamento de que se a ação corre entre partes contratantes que estipularam entre si a cláusula de foro de eleição, não se justifica a exclusão do foro eleito simplesmente por versar a demanda sobre a invalidade do pacto.
        Invalidade de cláusula de foro de eleição e remessa dos autos ao juízo competente (art. 112, parágrafo único, CPC). Nova hipótese de prorrogação de competência (art. 114, CPC)
        A Lei Federal n. 11.280/2006, ao introduzir o parágrafo único ao art. 112 do CPC, resolveu definitivamente antiga questão: saber se o magistrado, ex officio, poderia, invalidando cláusula abusiva de foro contratual em contrato de adesão, reconhecer a sua incompetência e, em seguida, remeter os autos ao juízo competente.
        Parece que, agora, não há mais dúvida: a resposta a essa pergunta é afirmativa, conforme clara redação do parágrafo único do art. 112. “Parágrafo único. A nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu”.
        A questão era usualmente formulada para as causas de consumo, em razão do peculiar regramento que a invalidação das cláusulas abusivas de tais contratos possui (art. 51, CDC). O legislador reformista, porém, como se vê do texto mencionado parágrafo único, não restringiu esse poder aos contratos de consumo: exige-se, apenas, que se trate de cláusula abusiva de adesão, de consumo ou não.
        O sistema de reconhecimento da incompetência foi alterado. É preciso perceber isso.
        Acostumamo-nos a ensinar aos alunos que a incompetência absoluta pode ser reconhecida ex officio e em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 113, CPC), sem preclusão; a incompetência relativa somente poderia ser alegada pelo réu e no primeiro momento que lhe coubesse falar nos autos, sob pena de preclusão (art. 114, CPC).
        O legislador reformista inovou: há hipótese de incompetência que pode ser conhecida ex officio, mas não pode sê-lo a qualquer tempo. É um novo regime de reconhecimento de incompetência, com características dos outros dois (poderíamos adjetiva-lo de misto): a incompetência decorrente da invalidade de cláusula de foro contratual pode ser reconhecida ex officio (traço do regime de reconhecimento da incompetência relativa) – uma preclusão para o juiz.
        Assim, deve o magistrado, ao examinar a admissibilidade da petição inicial, verificar a possível incidência do parágrafo único do art. 112; se o juiz determinar a citação do réu, não poderá mais declinar, ex officio, da competência por força do mencionado parágrafo. Caberá ao réu opor a exceção de incompetência, podendo, inclusive, alegar a abusividade da cláusula de foro de eleição.
        Existem defeitos processuais que, embora possam ser reconhecidos ex officio pelo juiz, se não o forem até certo momento, ensejam preclusão. Trata-se do tipo de defeito cuja identificação é a mais difícil. É muito importante, porém, admitir a sua existência, até mesmo para mitigar a regra de que toda invalidade que pode ser decretada ex officio pode sê-lo a qualquer tempo, o que compromete a segurança jurídica e as finalidades do processo.
        Conexão e continência
        Conexão é uma relação de semelhança entre demandas, que é considerada pelo direito positivo como apta para a produção de determinados efeitos processuais. A conexão pressupõe demandas distintas, mas que mantêm entre si algum nível de vínculo.
        Trata-se de conceito jurídico-positivo: cabe ao direito positivo de cada país estabelecer qual o tipo de vínculo considerado como relevante e quais são os seus efeitos jurídicos. Não há um conceito universal (lógico-jurídico) de conexão.
        A conexão no processo penal, por exemplo, pode configurar-se quando houver acusação de prática de crimes por pessoas que estão vinculadas. Já no processo civil, normalmente reputam-se conexas demandas que possuam identidade de algum dos seus elementos objetivo (pedido ou causa de pedir) idênticos (p. ex. art. 103 do CPC). Cogita-se de conexão até mesmo quando o vínculo entre demandas se estabelecer pela semelhança do objeto da prova (conexão probatória), como é exemplo o inciso II do art. 6º da proposta de Código brasileiro de Processos Coletivos formulada pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual”.
        Diversos institutos processuais pressupõem conexão, tais como cumulação de pedidos, o litisconsórcio, a reconvenção, a modificação de competência, etc. A conexão pode caracterizar-se de maneira diferente para cada um desses institutos. Assim, é possível falar de conexão para modificação de competência, que se baseie em certo nível de vínculo entre as demandas, e de conexão como pressuposto para a reconvenção, que se verifica a partir do preenchimento de pressupostos diferentes.
        A conexão é fato jurídico processual que normalmente produz o efeito jurídico de determinar a modificação da competência relativa, de modo a que um único juízo tenha competência para processar e julgar todas as causas conexas. Esta é a conexão examinada neste item.
        O regramento da continência é semelhante e, de acordo com o direito processual civil brasileiro, é um exemplo de conexão, produzindo os mesmos efeitos desta. Devem, pois, ser estudadas conjuntamente. O que se falar sobre a conexão vale, também, para a continência, ao menos no processo civil brasileiro.
        A conexão, para fim de modificação de competência, tem por objetivo promover a economia processual (já que são semelhantes, é bom possível que a atividade processual de uma sirva a outra) e evitar a prolação de decisões contraditórias. A reunião das causas em um mesmo juízo é o efeito principal e desejado, exatamente porque ele atende muito bem às funções da conexão.
        A reunião das causas em um mesmo juízo é o efeito jurídico mais tradicional da conexão. O art. 105 do CPC diz que o juiz pode reunir os processos em se tratando de ações conexas. Na verdade, se houver conexão, aliada ao risco de decisões contraditórias e a possibilidade de reunião, o magistrado deve reunir os processos, pois se trata de norma processual cogente. A conexão é fato que atribui ao órgão jurisdicional uma competência absoluta, por isso ele pode conhecer de ofício desta alteração de competência. Esse é o regramento básico do instituto no CPC (art. 103 – 105).
        Partindo da premissa de que se trata de conceitos de direito positivo, vejamos como eles aparecem no direito processual brasileiro:
        O legislador brasileiro optou por conceituar conexão no artigo 103 do CPC: “Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir”. Optou, também, por conceituar continência: “art. 104. Dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras”.
        OBS: Continência é exemplo de conexão.
        Qualquer das partes pode alegar conexão/continência, que de resto pode ser conhecida ex officio pelo juiz. Normalmente, quando o autor alega a conexão o faz na petição inicial, quando já pede, incontinenti, a distribuição por dependência (art. 253, I, CPC).
        Ao réu cabe alegar a conexão em preliminar de contestação. Não se alega a conexão por exceção de incompetência: a conexão pressupõe que o juízo era competente e teve a sua competência modificada. A exceção de incompetência suspende o processo, efeito que não pode ser imputado à alegação de conexão, mesmo que feita pela equivocada via da exceção instrumental.
        Diante de tudo o quanto se expôs, é preciso, finalmente, reiterar a lição: não se pode confundir a alegação de modificação da competência com alegação da incompetência relativa.
        Ao afirmar a ocorrência de uma hipótese de modificação de competência, parte-se da premissa de que o órgão jurisdicional é competente, mas, em razão da prorrogação da competência, deve a causa ser remetida a outro órgão jurisdicional, o prevento (é nisso que consiste a modificação). Quando se aponta a incompetência relativa, nega-se, de logo, que o magistrado tenha competência para conduzir a causa, pedindo-se a remessa dos autos ao juízo competente.
        A competência que surge para o juízo prevento tem natureza absoluta (funcional), sendo essa a razão pela qual é possível o conhecimento ex officio da conexão/continência: ao autorizar a modificação da competência, surge uma hipótese de competência absoluta do órgão jurisdicional prevento, que justifica, inclusive, a quebra da perpetuação da jurisdição prevista no art. 87 do CPC. A modificação legal da competência é uma questão que transcende o interesse das partes, indisponível, portanto, na medida em que se relaciona com a economia processual e serve para minimizar os riscos de desarmonia das decisões.
        Prevenção
        A prevenção é critério para exclusão dos demais juízos competentes de um mesmo foro ou tribunal. A prevenção não é fato de determinação de competência. Por força da prevenção permanece apenas a competência de um entre vários juízos competentes, excluindo-se os demais. A prevenção funciona como mecanismo de integração em casos de conexão: é o instrumento para que se saiba em qual juízo serão reunidas as causas conexas.
        O CPC traz duas regras de prevenção, que não se excluem, pois cada qual cuida de uma situação específica: a) se a conexão se der em juízos de comarcas diversas, prevento será aquele em que tenha havido a primeira citação válida (art. 219); b) se a conexão se der em juízos da mesma comarca, prevento será o juízo que despachou em primeiro lugar (art. 106, CPC).



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